DISCOS
Beach House
Devotion
· 26 Set 2008 · 08:00 ·
Beach House
Devotion
2008
Carpark / Bella Union / Popstock


Sítios oficiais:
- Beach House
- Carpark
- Bella Union
- Popstock
Beach House
Devotion
2008
Carpark / Bella Union / Popstock


Sítios oficiais:
- Beach House
- Carpark
- Bella Union
- Popstock
Regresso à maravilhosa terra do castanho-avermelhado e marfim, corações despedaçados e rabos-de-cavalo faz-se através de uma pop tocada por uma entidade maior.
Só muito raramente surge um nome capaz de fazer crer que a Música também escolhe os instrumentos de que necessita para se dar a escutar. Talvez porque ultimamente vigia mais atentamente a próspera cidade de Baltimore, nos Estados Unidos, a Música elegeu acertadamente dois dos seus habitantes, Alex Scally e Victoria Legrand, como intermediários. Só assim se explica a quase insuperável naturalidade e aspecto imaculado da pop diamantina que produzem os predestinados Beach House. Até porque, antes de ser um valor alteado pelo hype, a música guiada através dos Beach House comportava uma função espiritual e uma qualidade pura que transcende os julgamentos e contextualizações entretanto associados.

A vocação espiritual do segundo álbum Devotion assume-se e manifesta-se de modo variado. É vislumbrável nas velas acesas diante de cada um dos membros sentados à mesma mesa, prontos para invocar um ente que soletre respostas num Tabuleiro Ouija (espécie de equivalente americano para o jogo do copo à portuguesa). Ou seja, as mãos que os Beach House colocam devotamente sobre a mesa aguardam instruções para uma bricolage maravilhosa e fantasiosa da canção que se quer mais desprendida da memória de si própria e inversamente mais próxima da cor dos olhos do actor Elijah Wood.

Acaba por ser o entusiasmo e expectativa daí resultantes a alavanca que activa em Victoria Legrand a vontade de cantar, logo na introdutória “Wedding Bell”, I tried to stay in line in our deaths in our heads / Oh, but your wish is my command, como quem se rende ao mandamento maior da Música, renascendo uma vez mais, após uma primeira vida encapsulada no debute homónimo. Não é também de estranhar que Devotion inclua uma versão de “Some Things Last (a Long Time)”, um original de Jad Fair e Daniel Johnston, quando é sabido que o último, songwriter genial perdido numa Eterna Luta entre Bem e Mal, recorreu ao membro dos Half Japanese como orientador quase sagrado, numa altura em que o seu frágil estado mental dava azo a destruição e não às habituais canções intemporais. Daniel Johnston, tal como os Beach House, necessita apenas da força que movia também a mão de Hank Williams assim que encostava a caneta ao papel.

Devotion passa assim a ser uma dádiva litúrgica concebida por quem devolve a inspiração sob a forma de guitarras que espalham pó dourado, teclados tecidos como tapeçarias de países ainda por descobrir e um magnifico eco convidativo como a vertigem que atraiçoa os apaixonados. Mais do que isso, Devotion proporciona um certo avanço no descortinar da magia e quase-perfeição que aguardam normalmente os que conviveram com o músico e produtor Rusty Santos (que esteve envolvido na gravação do primeiro Beach House e na definição do som enfeitiçador de Baltimore). Podemos até acreditar afinal que é ele o deus que oferece um norte inicial aos Beach House, na certeza de que este deus tem uma costela portuguesa. O Outono faz cair as folhas, mas também eleva a crença em outras tantas coisas bonitas. Devotion consegue ser ainda mais arrebatador após seis meses de convívio intensivo.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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