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Peaking Lights
936
· 03 Mar 2011 · 09:51 ·
Peaking Lights
936
2011
Not Not Fun


Sítios oficiais:
- Peaking Lights
- Not Not Fun
Peaking Lights
936
2011
Not Not Fun


Sítios oficiais:
- Peaking Lights
- Not Not Fun
Duo norte-americano mapeia trilhos psicadélicos em direcção a coordenadas pop nem sempre prementes.
Dos primórdios a vasculhar no fosso de alguma da música mais entusiasmante saída do subterfúgio norte-americano, dispersa numa cartografia pejada de splits e cassetes rafeiras, o caminho calcorreado pela Not Not Fun tem vindo a conduzi-los com a segurança possível neste limbo em direcção à Luz. Ressonante para com uma actualidade que aceita de bom grado o lo-fi acolhedor de Ducktails ou Autre Ne Veut paredes meias com o stardom pós-Animal Collective/Black Dice/Gang Gang Dance. Marca d`água de que a lama que pariu gente ruidosa como os Robedoor, Ghosting ou Heavy Winged serviu também de útero para a falsa febre tropical de Heavy Deeds dos Sun Araw ou para os fractais 80's de LA Vampires e Matrix Metals. Até a reverência pós-new age do nosso Magina ou o psicadelismo solitário on the road de Dawnrunner de Swanox encontram pontos de contacto neste contínuo que do Noise pode chegar a todo lado de um modo igualmente aventureiro e confortável.

No centro de toda esta indecisão fixe (que reconhece um legado volátil onde coabitam sobre o hiss toda a alta e baixa cultura possível) estão os Peaking Lights. Duo do Wisconsin que com Imaginary Falcons saltou decididamente dos confins do tape trading para aquela exposição considerável de sites como o Tiny Mix Tapes ou o Gorilla Vs Bear. Um aceitamento natural tendo em conta o “potencial pop” (note-se as aspas) de “Silver Tongues, Soft Whispers” ou “All the Good Songs Have Been Written”. Na verdade, as pérolas maiores residiam em segredo nas canções-fluxo de Two Songs For Ceremony, mas também não haviam razões determinantes para embirrar com com as hesitações sonhadoras de Imaginary Falcons.

936 repisa as tentativas cancionistas do seu precedente para um resultado final mais coerente e de propósitos mais vincados. Curiosamente, essa virtude dá também azo às maiores resistências perante o álbum. Torna-se impossível aceitar tranquilamente uma mistura low cost que projecta a voz desinteressada de Indra Dunnis para a frente, ao mesmo tempo que torna discernível a infecciosa malha de baixo sobre uma manta de guitarras e sintetizadores em delay em “All the Sun that Shines”. Quando Dunnis canta ”All the sun that shines / shines for you” como se se estivesse a cagar para esse mesmo Sol, o efeito não deixa de estar próximo do torpor doce/enjoado dos High Places com um maior conhecimento de tácticas dub. O espaço necessário.

Em “Amazing and Wonderful”, Dunnis procura encarnar a coolness apática da Kim Gordon dentro de um mar de reverb, sem atingir uma hipnose que, pelo seu lado etéreo, se acerca do daydreaming dos Stereolab. “Key Sparrow” habita esses recantos de sonho sem se preocupar com a clarividência dos arranjos space age. Quando uma banda vinda do pardieiro afirma no seu myspace que faz reggae, é sinal de que são as inflexões dubby aquilo que melhor sabem fazer. O baixo em excursão narcótica de “Tiger Eyes (Laid Back)” é prova disso mesmo, ao fazer dela a melhor malha do disco, sem a pretensão de se afirmar uma canção de pleno direito. Antes um descontraído fluxo mutante sem ponto de chegada.

Fluxo que toma a forma de uma autobahn nocturna em “Marshemellow Eyes”, num contraste luminoso com a falsa tropicalia de “Summertime”. Soterrando os ritmos gingões característicos do paraíso que acolhe as explorações mais recentes de Spencer Clark em Monopoly Child sob a cadência reverberada do reggae, “Summertime” apanha o Verão pela nostalgia, enquanto canta ”Summer, somewhere, someone”. Ou como o Verão é, afinal, um estado mental, adaptando as palavras de Pedro Rios.

A manta de efeitos que prevalece ao longo de 936, dissipa qualquer estado lúcido para um anagrama com lúdico, numa alusão ao estado de espírito que o legisla. Admire-se essa postura e até uma banda com nomes tão fofinhos para as músicas se reveste de uma faceta intrigante.
Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com
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