DISCOS
Ghoak
Some Are Weird
· 19 Set 2003 · 08:00 ·
Ghoak
Some Are Weird
2003
Thisco


Sítios oficiais:
- Thisco
Ghoak
Some Are Weird
2003
Thisco


Sítios oficiais:
- Thisco
Ele há pessoas estranhas. Gente que preenche o improvável nos sonhos, que embebe outras pessoas em formol, que escreve discursos romanescos em braile. E nem papel usa. Um ganso como um organismo vivo. Que obedece às leis interiores, dentro de um corpo invisível, inatingível, dispensável. Quando a música faz a curva e encontra unidade entre a diversidade. De uma natureza esotérica a irromper do oculto das paisagens, do culto da transformação das culturas. Dos estilos tribais, triviais e das comunidades celulares, pungentes. Os postulados aflitivos da mudança na organicidade formal, nas entranhas do conteúdo, nas arcaicas formas de conteúdo. Evocações de pintura, infecções virulentas para serem sentidas, nunca entendidas. De propósitos jamais entediantes, a revolução acontece. Não há matriz conceptual que se aguente sob esta perspectiva enganadora, embutida em disco compacto. Ou talvez haja.

Carlos Nascimento, de apenas 18 anos, é o mais jovem rebento a espreitar do catálogo da Thisco. A sua música como um enxerto de ocasos e castelos de areia, estradas infinitas de sons e artifícios. A criatura cresce, alimentando-se de treze temas pontuados por um break beat expansivo, e dedilhados por amostras sonoras a tocar o fio do horizonte. Há inserções longínquas de voz, apontamentos para além do texto. E das palavras. Parcelas dentadas, cadenciadas a sedimentar os ruídos e os não-silêncios. A capa ostenta uma imagem do interior de um veículo motorizado, onde o condutor não tem cabeça, embora o espelho retrovisor mostre o oposto. A comédia da vida em polaroids ambivalentes, em que pólos opostos se tocam e partem as vitrinas do convencionalismo dormente dos humanos.

Esta é mais uma co-edição da Fonoteca Municipal de Lisboa, a contar com o apoio da Loja Alquimia, em Leiria (a terra natal de Ghoak). Compreender um disco assim é olhar a lamela da experimentação até à cegueira, caminhar a passos largos na atmosfera, calcar o ventre da música e fazer nascer o feto grotesco, minúsculo, minucioso. São pedaços microscópicos escadeados, voláteis e perecíveis. A vida contida em cada um deles é a essência do disco. E este não é para pessoas normais.
Hélder Gomes
hefgomes@gmail.com
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