DISCOS
Bohren und Der Club of Gore
Gore Motel
· 14 Set 2004 · 08:00 ·
Bohren und Der Club of Gore
Gore Motel
1994
Epistrophy


Sítios oficiais:
- Bohren und Der Club of Gore
- Epistrophy
Bohren und Der Club of Gore
Gore Motel
1994
Epistrophy


Sítios oficiais:
- Bohren und Der Club of Gore
- Epistrophy
As canções alegres para pessoas alegres já não pagam as contas a ninguém. Alguém sabia que os Mogwai andavam a compor bandas-sonoras para filmes de Dario Argento? É triste dar conta de que até "a banda do século XXI" (designação com a qual Stephen Malkmus os baptizou) precisa de recorrer a biscates para reparar as goteiras. O disco não pertence aos Mogwai, mas tal verdade não seria assim tão improvável, e da Escócia à Alemanha vai um pulinho. A afinidade de ambos surge assegurada pela dimensão oceânica e modo semelhante a que recorrem para formar as nuvens às quais vamos adivinhando a forma. Porém, desta vez o mar está bravo e o céu ameaça dilúvio. Sejam bem-vindos ao estranho mundo de Bohren und Der Club of Gore.

À semelhança do que vai acontecendo um pouco por toda a parte, a escola hardcore parece formar as mais inovadoras propostas da actualidade. Veja-se os !!! ou os Isis. Desta vez foram os 7 Inch Boots a dar lugar a Bohren & Der Club of Gore. O fenómeno podia até passar despercebido aos ouvidos de quem todos os dias reza por dádivas como esta, não fosse o sobejamente conhecido gosto que Mike Patton cultiva por deliciosas obscuridades. Podemos assim dormir descansados na certeza de que, mais tarde ou mais cedo, Miguel Páton (como gosta de ser apelidado por estas bandas) acabará por resgatar ao underground mais um projecto merecedor do selo da Ipecac (o último longa-duração Black Earth foi lançado o ano passado). Assegurada que está a total inexistência de conteúdo medíocre perante tão elevado grau de exigência, Gore Motel é o promissor ponto de partida de uma discografia que não conhece pontos baixos e cuja singularidade acabaria por lhes valer a internacionalização.

A primeira questão a assombrar-nos após a primeira escuta é: "O que andei a fazer este tempo todo?" Depois, a curiosidade trata de conduzir a posteriores audições. O vício vai-se tornando obsessão e o vermelho-sangue da nódoa adensando-se no melhor vestido branco de domingo. Como ficar possuído pelo tenebroso vortex que balouça na extremidade do fio de prata? Através da rendição incondicional ao negrume das trevas. Corpos cadavéricos e rostos pálidos (e tudo mais que possam encontrar nas letras de Holocausto Canibal) abundarão nos pesadelos de quem se atrever a percorrer este caminho. Ninguém escapará ileso à vertiginosa sedução do Clube do Gore. E se por vezes a instrumentação parece sussurrar-nos ao ouvido: "Esfaqueia! Esfola! Estripa!", há outras alturas em que o sob-low-tempo quase sempre reinante ordena: "Descansa. Desiste. Desmaia.".

Conceptual, pois claro. Cinemático, mais ainda. Visionário, sempre. Lynchiano? Ora aí está a banda sonora que Angelo Badalamenti nunca chegou a compor. Tal como Twin Peaks via a sua exibição ser prematuramente cancelada pela ABC após 22 episódios, também Gore Motel corre o risco de ser interrompido por um dedo maldoso tal é a sua densidade. O breu emanado pelo seu vagaroso arrastar alimenta a evidente noção de que um dos protagonistas deste filme pode "lerpar" a qualquer momento, certamente por asfixia ou envenenamento. A morte por causas naturais não faz parte do universo Bohren.

"Der Maggot Tango" é carnificina passional sob tecto de salão de dança (de rosa espinhada na boca). Logo depois, "Texas Keller" é fuga pelo deserto com uma valente ressaca e depósito nas últimas gotas. Este é o meu filme, mas ao som do Maestro Bohren cada um concebe o seu. E ninguém faz filmes de olhos abertos. Por altura de "Thrash Altenessen" já gozo de um requintado lap dance por conta de uma Rose McGowan enclausurada em corpete de latex. O freak show de Marylin Manson equivale a um episódio dos Teletubbies se comparado com o convite à demência que é Gore Motel, capaz de duplicar o número de vítimas no caso de cair nas mãos do serial killer errado. Permitam-me tamanhas hipérboles, pois o caso é mesmo para tanto, ou até mesmo para mais.

As inscrições para aderir ao clube já estão abertas. Este é o disco que faltava aos góticos em plena fase de crise existencial e aos entusiastas de jazz com um fraquinho pelo filme de terror rasca (viva o Lusomundo Action!). Além de vampírica fome insaciável, deixará no ar a sensação de que a morte passou por perto. Estranho é que tudo em Gore Motel nos remeta para o mais negro dos corvos quando é sabido que discos tão raros e preciosos como este só se encontram pelo bico de um simpático pássaro azul. Hoje acrescentei uma alínea ao meu testamento: em vez da marcha fúnebre, quero que seja Gore Motel a acompanhar-me até à minha última morada.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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