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Eu contenho todos os meus anos dentro de mim
· 20 Fev 2006 · 08:00 ·
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Eu contenho todos os meus anos dentro de mim
2005
Open Field / Peligro


Sítios oficiais:
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- Open Field
- Peligro
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Eu contenho todos os meus anos dentro de mim
2005
Open Field / Peligro


Sítios oficiais:
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- Open Field
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Há mais na música brasileira para além de pagode, samba e baile funk. Também há no “país irmão” (que tem uns impressionantes 186 milhões de habitantes) espaço e massa crítica para trabalhar e assimilar, com inevitáveis idiossincrasias, a música de vanguarda. É nesse campo que se posiciona Eu contenho todos os meus anos dentro de mim, de input_output, que não é mais do que uma das incarnações de Douglas Dickel, habitante de Porto Alegre que é ainda guitarrista da banda pós-rock Blanched, entre muitas outras actividades. É um disco experimental, lo-fi, por vezes industrial, de colagens (com destaque para sons de filmes), mas de músicas curtas (à volta dos três minutos, com a excepção do último tema).

O álbum tem uma estética claramente fragmentada e abstracta, talvez inspirada nas várias actividades que Dickel mantém ao mesmo tempo, ou no seu gosto pela matemática. Quanto ao processo de composição, nada melhor que citar a entrevista do músico ao Bodyspace: “Fiz as primeiras experiências este ano, quando revi o filme Contacto, do Robert Zemeckis, e lembrei que eu tinha uma fascinação pela ficção científica e pelo carácter alienígena, digamos assim, da estática de rádio, e lembrei-me que o meu pai tivera um rádio de ondas curtas, Philco Transglobe. Comprei um outro, por sorte encontrei essa raridade, e decidi usar samples de rádios estrangeiras em músicas. No entanto, a digitalização desses sons é difícil, tanto que usei somente um, de uma rádio oriental, em ‘Aço, Asfalto, Plástico’ – que, aliás, foi a primeira experiência com qualidade suficiente para garantir a sua entrada num álbum. Por isso comecei a experimentar de forma mais prática: coloquei o Soundforge para gravar e, utilizando um walkman com sintonia analógica, rodei o disco de sintonia para lá e para cá, aleatoriamente. Depois, ouvi o resultado gravado e seleccionei trechos que serviriam como bases, loops e até mesmo batidas, no lugar da bateria. Então surgiu a estética do input_output”.

Resolvida que está a questão da origem do projecto, falemos de algumas das músicas: “Caminho” tem uma batida cava, em jeito de pulsação cardíaca, e termina com uma melodia de caixa de música (um ursinho à corda, ao que parece); “Escombros” é construída em volta de um baixo hipnótico e de um ambiente sombrio, com o auxílio de uma voz feminina; “Albatroz” reproduz o célebre diálogo do “saco de plástico” de American Beauty, complementado, numa segunda parte, por um trabalho minimalista de guitarra eléctrica em loop; “Banho Quente” traz uma batida e um groove electroclash, por entre vocalizações distorcidas e blips electrónicos.

O título Eu contenho todos os meus anos dentro de mim remete para uma espécie de viagem interior: a faixa-título, a primeira, não é mais do que Bickel a tocar uma canção popular-infantil, com quatro anos. À medida que o álbum avança, vai havendo uma componente mais rock, mais facilmente assimilável, apesar de estarmos na presença de um disco nocturno, para ouvir no silêncio: há um convite à reflexão, nos momentos em que a palavra entra em cena. Pode dizer-se, em última análise, que um disco com uma percentagem significativa de “corta e cola” será sempre um objecto muito pessoal. Mas com um pouco de imaginação esses momentos também podem ser nossos.

O registo de estreia de input_output é experimental, mas não é cansativo ou demasiado absorvente e denso: há momentos de plena ortodoxia e de “bem-estar”, correspondentes a abordagens mais mainstream. Visto dessa perspectiva, poucos discos conseguem equilibrar tão bem facetas quase inconciliáveis num objecto artístico minimamente homogéneo. Eu contenho todos os meus anos dentro de mim é um convite a uma primeira abordagem a facetas mais ousadas da música moderna. “Ouça nos fones”, aconselha-se na nota de capa. A experiência é recomendável.
João Pedro Barros
joaopedrobarros@bodyspace.net
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