DISCOS
Urkuma / (etre)
Rebuilding Pantaleone’s Tree / A Post-Fordist parade in the strike of events
· 18 Jul 2006 · 08:00 ·
Urkuma / (etre)
Rebuilding Pantaleone’s Tree / A Post-Fordist parade in the strike of events
2006
Baskaru


Sítios oficiais:
- Baskaru
Urkuma / (etre)
Rebuilding Pantaleone’s Tree / A Post-Fordist parade in the strike of events
2006
Baskaru


Sítios oficiais:
- Baskaru
Fosse o glitch um estimulante pornográfico e o vídeo de “All is Full of Love”, que Chris Cunningham filmou exemplarmente ao serviço de Björk, seria a mais sublime das suas representações eróticas. Isto porque a homogénea omnipresença do amor no tal teledisco pode ser entendida como um preenchimento de espaço que obriga o glitch a conter-se entre as suas estribeiras de imperfeição. Além disso, o aspecto cromático e luzente adquirido por Cunningham anda longe da cacofonia que associaríamos a um glitch ampliado (as criaturas grotescas de Mat Brinkman ou os Maggots de Brian Chippendale – ambos pilares da cena de Providence, Rhode Island – são expoentes disso mesmo). A desafiante e ainda por amadurecer label francesa, Baskaru, que só agora atinge a meia-dúzia de lançamentos, propõe com os discos de Urkuma e (etre) aproximações distintas a esse nirvana da imperfeição a que se convencionou apelidar de glitch.

Muito mais hostil e labirinticamente complexo que o parceiro abordado nesta resenha, Urkuma serve de disfarce a Stefano de Santis nas suas projecções transcendentais de murais sónicos elaborados a partir de temas místico-religiosos - neste caso, a transposição para um renovado plano estético de um mosaico que o monge Pantaleone elaborou para servir de chão à Catedral de Otranto. O mesmo encontra representadas figuras animais a tocar harpa e outros instrumentos. À questão que o interior do digipack coloca – Alguma vez atribuiu um instrumento musical a um animal? - é legitimo responder que, sem a habilidade fantasista da fauna Disney, um bicho não faria muito de um trompete ou pífaro. Urkuma permite-se a contestar a essa ideia e, a partir da sua premissa, convencer quem escuta de que o glitch pode também ser zoológico, quando votado à necessidade básica de ser ruidoso e livre de movimentos (essencialmente no primeiro par de exercícios que comporta o disco). A irracionalidade animal verifica-se também ao abusivo uso analógico de tapes, geralmente arrastadas como carcaças inanimadas, e a um espesso manto contínuo de negrume (o terminal “Retour en Arrière” quase parece Scorn) que serve de lavagem cerebral a quem possa andar necessitado de se livrar de um melodia entranhada. Rebuilding’s Pantaleone’s Tree é um nocivo e inconformado mind fuck a que só se sujeita quem quer.

Apesar de ser dedicada a uma notoriedade cada uma das faixas que compõe A Post-Fordist Parade in the Strike of Events, vou-me poupar a um levantamento biográfico exaustivo para contextualizar os exercícios que o artista sonoro Salvatore Borrelli compôs em honra de gente como os Faust ou Harmony Korine (a que já não bastava a dócil faixa que lhe foi dedicada pela diva Kahimi Karie). No que diz respeito a este disco de (etre), importa, sobretudo e de acordo com a direcção que assume esta resenha, considerar os usos que o Salvatore reservou para o glitch. Pode-se dizer que por aqui surge muito mais discreto - escuta-se como a pulsação profunda a um ghost in the shell, age como auxiliar conspirativo a um rol impressionante de elementos electro-acústicos de ambições lúdicas, mas demasiado fragmentados para cumprir tal faceta. O glitch cumpre períodos de ebulição vulcânica (assim acontece no cinemático “Naturalist Tokyo 3.0”), para, logo de seguida, corporizar um Pac-Man faminto que aglutina a cauda de delay a uma repetida guitarra acústica radiante. Além do seu carácter elegíaco, A Post-fordist parece focado em purificar-se dos seus pessimismos pós-modernos recorrendo a métodos luminosamente folky para as guitarras dedilhadas enquanto última salvação - tal como acontece no dissonante, mas esclarecido, "Dogs From my Childhood Multiple White". Sendo este um método de recurso que não recusariam uns Espers ou DOPO perante um beco sem saída (os primeiros, por exemplo, rumaram ao lado negro com o recente II). No seu pior, A Post-Fordist é narcisicamente estranho e pretensioso (já que as homenagens são, de facto, dispensáveis). No seu melhor, será um possível disco de culto para os potenciais entusiastas da Itália como próxima capital mundial do glitch que é pau para toda a obra.

A certeza é de que, após a polémica Zidane / Materazzi que gerou o recente Mundial da Alemanha, comove encontrar a França e Itália aliadas numa mesma causa musical. Mais comovem as expectativas que a partir daqui se encontram altas face ao que pode vir a reservar no futuro esta Baskaru que aterrou em 2006 como um OVNI sem matrícula.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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