ENTREVISTAS
Manuel Gião
O nome do meio
· 21 Jun 2007 · 08:00 ·
© Vera Marmelo
Manuel Gião é Cláudio Fernandes. Dois nomes de uma mesma pessoa, relativos a um projecto que se criou a solo para lá da experiência com os DEBUT! Manuel Gião, naquilo que mostram os temas no myspace do projecto, é um veículo onde convivem paisagens ruidosas criadas por guitarras e telas electrónicas abstractas. Em entrevista ao Bodyspace Cláudio Fernandes fala da génese do projecto tanto no diz respeito ao nome como em relação às suas origens musicais. Manuel Gião actua hoje (dia 22) no Outfest, no Barreiro, ao lado de Samara Lubelski, Curia e Aki Onda.
A informação sobre este projecto é escassíssima na Internet e o teu myspace pouco revela. O que é que nos podes contar acerca desta experiência e dos seus antecedentes?

Nunca me preocupei muito com a questão de divulgar a história por trás deste meu projecto. Nunca foi esse o objectivo. Sempre fiz música para mim próprio, para me agradar (não o fazemos todos?), mas pensei que seria uma parvoíce pensar nessa massa de rejúbilo egocêntrico como algo que poderia constituir um "produto" preparado para apresentar e partilhar com um público. Até porque tinha o tempo ocupado com a composição musical em formato partilhado, em DEBUT!, e para mim não fazia muito sentido ter um projecto "a solo". Então, agora, aproveitando uma pausa sabática do mesmo e também todo um novo panorama musical à volta de sonoridades que me agradam bastante, decidi tornar reais e públicas estas minhas incursões por caminhos que outrora fariam apenas sentido no seio da minha privacidade; nasce então Manuel Gião.

Manuel Gião não é, pelo que sei, o teu nome verdadeiro. Há algum sentido especial na adopção deste nome?

Por acaso, é. São os meus nomes do meio. Nunca gostei deles, mesmo. Só há relativamente pouco tempo é que me habituei a usá-los e desde logo pensei que seriam óptimos neste contexto. Para além disso, é o nome do meu avô materno, e gosto de pensar na coisa como sendo uma pequena homenagem à pessoa em questão. A minha mãe adora a ideia.

Dos temas que se podem escutar no mesmo myspace nota-se a presença constante de uma guitarra, mas também de electrónica. É nestes dois campos que te sentes mais à vontade?

Actualmente, sim. A guitarra sempre fez parte do meu quotidiano musical, em diferentes abordagens e formatos, e continua a fazer, agora acompanhada de uma recente e pecaminosa paixão por componentes electrónicos. São duas linguagens facilmente associáveis e fáceis de manobrar. Mas não nego que gostaria de vir a poder fazer coisas mais "fora" com percussões, metais, etc. Depende um pouco do mood com que se trabalha (e do budget para tal, claro).

© Vera Marmelo

O que é que mais faz parte do processo de criação?

Pegando na ideia atrás iniciada, é tudo uma questão de estado de espírito. A solução mais fácil é pegar na guitarra, ligá-la ao amplificador, meter uns pedais pelo meio e está feito. Easy listening, ou inferno em chamas, dependendo da hora, dia e mês. Por vezes passa por ligá-la ao computador e processá-la. Se estiver com paciência, leva com o processamento antes de chegar às máquinas. Se não estiver muito virado para a guitarra, a música surge então de todo o lado. Pick-ups com metal agarrado, microfones de treta, um bocado de uma guitarra inutilizada (ao qual PCF Moya carinhosamente baptizou de "giarra") jacks que não ligam a lado nenhum, ou que ligam a demasiados sítios, ou mesmo samples externos, que processo no caminho. Utilizei alguns do Bruno Silva, uma única vez, e eventualmente voltarei a fazê-lo. Mas basicamente, é o humor quem decide.

Existe algum caminho musical identificável no que diz respeito às tuas audições que te tenha levado a estes campos de exploração. Algum nome em particular?

São vários campos, e distintos entre eles... Não sei propriamente indicar um ou vários nomes que ache representativos como influência, ou que pelo menos possas reconhecer no meu trabalho, mas posso chutar alguns nomes que tenho andado a ouvir recentemente: Wolf Eyes, Black Dice, Deerhunter, Hototogisu, Ben Frost, Osso, Hair Police, Dead Machines e por aí. Mas não sei se ajuda muito, pois são nomes de uma fase específica que estou para aqui a atirar ao ar. Também posso sempre alegar que oiço de tudo um pouco, e que todo esse pouco me influencia, de certa forma.

Utilizaste de alguma forma o myspace como tubo de ensaio para de certo forma granjear alguma atenção sobre o teu trabalho? Segue-se um disco em breve ou um CD-R?

Sinto-me tentado a dizer que sim. Afinal de contas, é essa a função da comunidade MySpace, no que toca à música. Podia falar sobre as mil maravilhas do mundo "myspaciano", mas penso que já foi tudo dito sobre esse produtivo local virtual. E sim, existe uma edição em CD-R nobre planeada para breve (um disco, por assim dizer), pela Searching Records, mas que ainda não tem nenhuma data prevista. É para breve, muito breve, dizem os astros.

Sentes-te identificado com a urgência e com a forma de actuar destes novos projectos de música livre que cada vez mais marcam presença neste país?

Sem complicar muito, sim, sinto-me perfeitamente identificado com o panorama actual e as suas respectivas necessidades enquanto movimento artístico / social. E o facto de existirem inúmeros projectos ditos "livres" a acorrerem aos ouvidos das pessoas só reforça a ideia de que existe uma urgência colectiva em trazer toda essa malta para a rua e tratar de reeducar as massas (ou mesmo as minorias já existentes). Nesse aspecto, posso-me integrar e sentir confortável com a associação, sem tirar nem pôr.

Imagino que as categorizações que se podem ver no teu myspace, death metal, concrete e italian pop, sejam uma brincadeira. Mas pergunto: é isso um sinal que não saber ou não queres classificar o que fazes?

Inicialmente, não sabia o que havia de escolher, e também não queria colocar algo "demasiado óbvio e usado" (seja lá o que isso for), então decidi-me ficar pela piada fácil. Também porque não pretendia limitar a coisa a um ou três nomes máximos para correntes musicais. Acabou por ficar engraçado, na minha opinião - não faço a mínima ideia do que seja o concrete e não sabia que se podia diferir a pop italiana da pop em geral... [risos]

© Vera Marmelo

Como correram as experiências ao vivo até agora enquanto Manuel Gião?

Bem, posso dizer que correram bem. Na verdade, foram apenas duas até ao momento. Uma com o PCF Moya e as nossas guitarras, em modo ensemble, que correu muito bem, a meu ver. Entendemo-nos bem e até pode ser que dessa colaboração nasça algum rebento colectivo. Outra, sozinho, a aproveitar um "buraco" num espectáculo do Tiago Sousa com a francesa SRX, que me permitiu distrair os presentes durante cerca de vinte minutos, numa sessão mais descontraída e intimista - que apesar de não me ter pessoalmente agradado na altura, chegou-me depois aos ouvidos em formato digital e foi uma agradável surpresa. Mas, para alguém que nunca tinha planeado trazer estas peças para um palco, posso afirmar que foi bastante positivo, e que a ideia é continuar a pisar palcos enquanto músico singular (se bem que gosto das colaborações, e tenho já algumas coisas planeadas para breve).

Actuas em breve no Outfest, no Barreiro. Vais sentir-te como peixe dentro de água? Os territórios das bandas que estão no festival são aqueles com os quais te identificas?

Penso que sim; equipa que joga em casa tem a obrigação de se sentir bem, digo. Isto tanto a nível geográfico como musical. Alguns dos artistas intervenientes são até para mim referências, por isso vou certamente sentir-me em casa.

Que levarás musicalmente ao Outfest? Como te estás a preparar para a ocasião?

Estaria a mentir se dissesse que não me estaria a preparar para tal, até porque me vou estrear com a projecção de um vídeo concebido para a ocasião, aproveitando o facto de este ano o festival se realizar num auditório e as condições técnicas o permitirem. Penso acompanhar essa peça visual com material que já esbocei em casa e que posso eventualmente vir a utilizar no primeiro CD-R, em nuance com algumas coisas mais "extremas", familiares de excertos que disponibilizei no myspace. Neste momento encontro-me ainda a definir o material que vou levar e também que roupa devo vestir... Faz parte, na minha opinião. [risos]
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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