ENTREVISTAS
Sic Alps
Alpinismo em ruído branco
· 03 Dez 2007 · 08:00 ·

A São Francisco por um canudo escuta-se imunda e deturpada ao revólver Sic Alps que, no tambor, tem como balas um irritadiço temperamento garage alucinadamente anacrónico, daisy age do avesso, lodoso reverb que torna mais amorfa a massa ruidosa, tudo aquilo que nunca ninguém se atreveu a perguntar ao eco mais fantasmagórico. Os Sic Alps são a encomenda do Diabo que parece ter caído do céu para espalhar o evangelho de rock bastardo cujas linhas tortas têm sido escritas por Adam Stonehouse nos Hospitals, John Dwyer nos Coachwhips e O.C.S. (agora Oh Sees) e por todos os mais participantes nesta orgia em que tão depressa alguém ama como anda à chapada. Algures entre esses dois pontos do termómetro passional, encontra-se um Pleasures and Treasures, revelador álbum lançado o ano passado, que é alvo a toda a escala perfurado pelas balas acima mencionadas. O Bodyspace formou tertúlia com Matt Hartman (bateria) e Mike Donovan (guitarra), dias antes dos Sic Alps encabeçarem uma promissora matinee no Cabaret Maxime, em Lisboa, no próximo 9 de Dezembro, em que também actuarão os Nawadaha, Tó Trips (metade dos Dead Combo) e DJ Milkshake, e, antes disso, a noite de 7 de Dezembro, a decorrer no Meu Mercedes é Maior que o Teu, no Porto, onde serão novamente acompanhados pelos gauleses Nawadaha. Calcem as mais resistentes botas, esqueçam em casa os tampões para os ouvidos. Preparem-se para o mais glorioso alpinismo em ruído branco apadroado por São Francisco.
Que actualizações me podes adiantar em relação ao próximo disco? Está prestes a sair?

M.H.: O novo álbum mesmo?! Devo confessar que ainda se encontra longe de ficar completo. Por agora, os novos lançamentos são um 12 polegadas com 10 músicas intitulado Description of the Harbor e o Strawberry Guillotine que é um sete polegadas com três músicas. O próximo disco não se encontrará pronto até ao Verão de 2008, na melhor das hipóteses. Os atrasos devem-se ao facto de termos de trabalhar a tempo inteiro, porque isto de viver o “Sonho Americano” é um bocado difícil. Entretanto, devemos lançar uma compilação em CD de todo o material originalmente inserido em edições limitadas de vinil e cassete durante 2006 e 2007. O título vai ser The Long Way Around to a Shortcut. Mantém-te atento a isso na Animal Disguise Recordings durante a Primavera de 2008.

Ainda em relação a esse novo disco que ainda tardará, lembro-me de, a certa altura, referirem a possibilidade de ser duplo. Isso ainda é possível? Podes fazer uma estimativa de quantas faixas tinham quando começaram a trabalhar no disco?

M.H.: Ainda pode ser um álbum duplo ou até mesmo dois discos separados. Ou uma mistura entre esses dois formatos. As coisas não se encontram ainda bem delineadas, mas a quantidade de faixas em jogo deve rondar entre as 20 e 25.

Costumam fazer demos das faixas que se encontram ainda em progresso ou esse é um passo que suprimem de vez em quando? Quão espontâneo foi o desenvolvimento das músicas gravadas nas mais recentes sessões?

M.H.: O Mike costuma gravar demos por ele próprio antes de as trazer para o estúdio. Vou deixar que seja ele a explicar.

M.D.: A “Dr. Bag and the Pomade Nature Giants” foi gravada por cima da demo original dessa música. A "Description of the Harbor" nunca foi antecedida por demo, mas todas as faixas incluídas no lado-b desse 12 polegadas foram primeiramente registadas em demo num gravador de quatro pistas. Por vezes, a mesma música merece 4 ou 5 demos, mas grande parte do desenvolvimento acontece no estúdio quando começamos a gravar a sério.


Podem-me dizer se muitas das músicas alinhadas para o próximo disco podem ser tocadas em formato estritamente acústico? Nem que apenas em condições rudimentares...

M.H.: Claro. A maioria das nossas músicas surgiram a partir de uma guitarra acústica. E, assim sendo, podem sempre retornar à forma acústica. Decidir se retêm ou não o seu charme é uma opção inteiramente à mercê de quem escuta.

M.D.: Eu diria que é possível, mas seria muito menos divertido.

Tu e o Mike contaram com alguém externo para vos ajudar em aspectos técnicos necessários aos mais recentes discos?

M.H.: Não, continuamos a fazer tudo por nós mesmos. Tentamos manter tudo em termos simples: um gravador de oito pistas, com um microfone, um pré-amplificador, uma unidade de reverb e uma unidade de efeito de eco.

Existem alguns prazeres ou experiências típicas de São Francisco que te tivessem inspirado directamente a produzir nova música?

M.H.: Nem por isso. Tal como o Charles Manson disse um dia:Your home is where you’re happy.. No que respeita ao resto, não notei uma inspiração directa da parte da cidade, que, de resto, é linda – muito europeia, a meu ver. Ultimamente tem sido dominada por yuppies mortos-vivos e ostensivamente ricos. Isso tem-se tornado cada vez mais deprimente.

Foi porreiro integrarem os Howling Hex do Neil Hagerty naquele concerto especial na Hemlock Tavern? Concentraram-se em algum material especifico dos Howling Hex? Recordam-se acerca de que faixas dos Sic Alps fizeram parte do alinhamento?

M.H.: Bem... É quase escusado referir que foi brutal tocar com o Sr. Hagerty. Ambos somos grandes fãs de Pussy Galore e Royal Trux, e isso arruma logo o assunto. Foi o Neil que escolheu o alinhamento. Parece que, até certo ponto, as músicas foram escolhidos de acordo com a facilidade de serem aprendidas e totalmente dominadas num espaço de tempo relativamente curto. Só dispusemos de tempo para um ensaio de grupo... O material abrangia a discografia inteira da banda, o que foi excelente. Ambos gostaríamos de repetir a experiência no futuro. As duas faixas de Sic Alps que tocámos foram “Brill Building” e “I Know Where Madness Goes”.

Caso se decidissem a fazer covers dos Royal Trux mais old-school, que duas faixas escolheriam e por que motivos?

M.D.: “Bits and Spurs” e “Gold Dust” do primeiro disco (homónimo). Duas faces da moeda Royal Trux.


Ao assistir aos vídeos das actuações dos Coachwhips, fico sempre com a noção de aqueles concertos eram muito especiais para o público. Qual era o sentimento em torno de uma actuação dos Coachwhips? Achas que o DVD que acompanha (a compilação) Double Death capta um pouco da experiência que ofereciam os Coachwhips ao vivo?

M.H.: Um concerto de Coachwhips era um pouco como trazer até à casa da tua mãe uma festa de liceu que ficou fora de controle. Totalmente fora de todo o tipo de controle. A mesa de café será quebrada. O valioso vaso chinês será partido. Perderás o domínio sobre os movimentos das tuas pernas e rabo. E estou a pensar um pouco por alto. É difícil de referir exactamente o que tornava essa banda tão especial. Era tudo muito simples. Mas acho que provocámos essa atitude de perda de controle. Nada de truques. Nada de “rodriguinhos”. Abana-me esse rabo. Perde o controle. E, sim, acho que o DVD é suficientemente exacto. Especialmente se considerarmos que também se sucedia ocasionalmente um concerto em que ninguém compreendia a nossa intenção e em que as pessoas ficavam especadas a olhar para o John Dwyer enquanto ele se roçava pelo chão com a guitarra entre os dentes. As imagens do concerto final em Nova Iorque dizem praticamente tudo.

Recordas-te de quais eram as faixas do You Are Free que mais gostavas de tocar quando andaste em digressão com a Chan Marshall? Tocavas (guitarra) com a Cat Power quando ela veio até ao Porto?

M.H.: Do You Are Free gostava da “Good Woman”, “Werewolf”, “Maybe Not”. Também tocávamos a “Fool” e “Babydoll”, mas não muito frequentemente porque eram mais difíceis de tocar na perfeição. Eu gostava muito de tocar todo o seu material. Foi uma enorme dádiva essa oportunidade de tocar com alguém do seu calibre. A sério – estimo cada um dos momentos em cada música que tive a oportunidade de tocar com ela. No que respeita ao Porto, nunca tive esse prazer. Não sei exactamente quem tocou com ela nessa altura. Quando toquei com ela, intermitentemente entre 2003 e 2005, não fomos até Espanha ou Portugal.

Ainda dispuseste da oportunidade de tocar ocasionalmente com os Fucking Champs (quando ainda só eram os Champs) na altura em que te juntaste a eles como roadie? Consegues simpatizar com o material mais recente deles?

M.H.: Não, nunca cheguei a tocar com eles. Contribuí com exactamente duas notas, uma de clarinete baixo e uma de saxofone alto, para uma música de 20 segundos que fizeram para uma compilação que nunca chegou a ser lançada. Embora eu creia que será lançada numa qualquer compilação num futuro próximo. Infelizmente, não me recordo de quaisquer detalhes. No que respeita à última encarnação dos Fucking Champs, é um pouco difícil decidir-me. Conheço-os há tanto tempo que não consigo deixar de os apoiar em tudo o que fizerem. Mesmo assim, parte de mim sente que os Champs morreram quando o Josh (Smith) saiu. Eram uma daquelas bandas que não podia passar impune à substituição de um membro e, mesmo assim, tentar obter aquela velha sensação.

Podes-me actualizar quanto ao ponto em que se encontram os teus projectos secundários?

M.H.: Nada de muito relevante se tem passado nesse departamento. Posso apenas referir que acabou de ser lançado na Slumberland Records um sete polegadas de uma banda que eu tinha há uns anos chamada The How, que é praticamente uma espécie de homenagem descarada aos The Who dos primeiros tempos.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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