ENTREVISTAS
Victor Gama
A desmistificação do complexo de Babel
· 07 Abr 2008 · 08:00 ·
© Neo Netsoma
Tudo o que se escreva acerca da obra incansavelmente cultivada por Victor Gama arrisca-se a soar incompleto à medida que o tempo passa, tal é margem de progresso que o músico luso-angolano garante aos seus projectos, conceitos e instrumentos, que podem ser tomados como laboratórios de criação e investigação mantidos em aberto. Sobre o abrangente alcance de Victor Gama, refira-se resumidamente que se encontra bem patente no seu papel como vital pedra-de-toque na facilitação de rotas de trânsito prestadas às manifestações artísticas e executantes oriundos do continente Africano e restantes territórios em contacto com o Oceano Atlântico, nas longas distâncias percorridas com vista ao registo de manifestações musicais territorialmente isoladas, na desmistificação de um complexo de Babel através da aproximação entre linguagens e dialectos musicais que possam, por efeito da erosão temporal, ter esquecido as raízes comuns. Victor Gama concebe, toca e expõe um pouco por toda a parte os seus próprios Pangeia Instrumentos que viram, em 1999, o seu momento documentado em Pangeia Instrumentos, marco da música acústica que foi depois reeditado na Rephlex de Aphex Twin, onde desafiou as regras da casa por ser o primeiro registo sem qualquer elemento de electrónica.

A aclamação não resultou em acomodação e a mesma dinâmica sente-se a iniciativas mais recentes que exemplificam bem a atenção prestada ao que se passa além da redoma ocidental: Periférico reúne música a roteiros raramente merecedores de visibilidade que lhes faça justiça, sendo que a coluna Global Ear da edição de Abril da reputada revista Wire, conta novidades acerca da electrónica desafiante e curas xamanistas verificadas in-loco em Bogotá, na Colômbia. Alguns destes temas e muitos outros pontuaram uma conversa aprofundada com Victor Gama.
Quais foram os primeiros passos dados rumo à concepção de Periférico? Como se sucedeu a iniciativa? Interessava-lhe de antemão trabalhar o formato característico da Sonic Arts Network?

Periférico surge de um convite feito pela Sonic Arts Networks, um email que aterrou inesperadamente na minha caixa de correio sem que eu sequer conhecesse a organização baseada em Londres. O convite era um desafio a criar o conceito para uma compilação da série de Guest Curated CDs que lançam a cada trimestre e num formato de livreto de 18 x18 cm com várias páginas ilustradas e um CD no interior. Depois de me enviarem a colecção completa, que inclui álbuns compilados por artistas e compositores como Irwin Chusid, Stewart Lee, Keneth Goldsmith e a coreógrafa japonesa Junko Wada, apercebi-me do tipo de trajectórias e incursões que a SAN deliberadamente propunha fazer utilizando a perspectiva única e inesperada do artista convidado. Consequentemente a total liberdade que este tinha em usar o recurso oferecido, desde o conceito, passando pelo título, textos, ilustrações e mesmo o design, até à música - puseram-me a imaginação a fervilhar e inquietaram-me quanto bastasse para aceitar imediatamente o convite e iniciar uma viagem de quase um ano à procura de música. O conceito que me surgiu instantaneamente foi o de fazer algo com as zonas de silêncio que existem um pouco por todo o lado mas concentrando-me em músicos e compositores de países não ocidentais, uma vez que os anteriores CDs SAN incluíam quase exclusivamente músicos e compositores americanos, ingleses e alguns europeus do continente. Desta forma respondia aos próprios desígnios da Sonic Arts Network de “permitir tanto às audiências como aos criadores envolverem-se com a arte do som de forma diversificada, acessível e inovadora” e mostra-lhes o que fazem artistas contemporâneos de países a que normalmente apenas se associa a produção de “world music”. Periférico surge também como uma espécie de provocação ao colocar um ênfase na música que se faz para além da bolha que o ocidente cria com os seus sistemas de controle absoluto de mercados globais através das indústrias de entretenimento. Assim surge o subtítulo Sounds from beyond the bubble e uma selecção de músicos do Irão, Líbano, Palestina, Colômbia, Egipto, Brasil, Angola, Peru e Ucrânia.

Das perspectivas e critérios de selecção que conhecia aos anteriores participantes na série da SAN, houve algum que lhe tivesse suscitado maior atenção?

A que mais me cativou foi a do escritor, realizador e comediante Stewart Lee que tem por título The Topography of Chance, inspirado no livro de Emmett Williams An Anecdoted Topography of Chance. Emmet Williams foi um dos fundadores do movimento dadaísta Fluxus. O disco tem participações de Mark E. Smith, Evan Parker, Derek Bailey mas o que mais me surpreendeu foi um tema de Jon Rose intitulado "The Shouting Fence". Jon Rose é um compositor muito peculiar que viaja pelo mundo inteiro a tocar e gravar cercas, normalmente de arame farpado, e que dividem aldeias, cidades ou povos. Neste tema ele grava a "shouting fence", uma cerca de arame armadilhada que divide uma aldeia druza nos montes Golã, entre a Síria e Israel. Os seus habitante usam megafones para se comunicar de um lado para o outro da cerca, gritando Como está a tia?... Ouvi dizer que tal e tal se iam casar... Que mau tempo está hoje ....

De que modo, se algum, o resultado final de “Periférico” coloca em prática os conceitos por si explorados?

Em Periférico procurei compositores que tivessem desenvolvido a sua própria voz e linguagem baseando-se de uma forma ou outra nas culturas dos seus próprios países e civilizações, mas com uma perspectiva exploratória. Através dos textos apresentados, que são escritos por estes, foi possível dar a conhecer os conceitos e abordagens que utilizam. O ênfase estava nas concepções de cada um, os seus pontos de partida e chegada, motivações e recursos empregados e assim adivinhar o seu sentir, as suas vibrações e pulsações.

Estou certo de que são muito curiosas algumas das histórias em torno das músicas que formam Periférico. Existe alguma que lhe pareça merecedora de destaque? Um episódio interessante parece-lhe indicativo de que é igualmente cativante a música que proporciona?

Cativou-me particularmente o exemplo de Boikutt, um dos integrantes dos Ramallah Underground da Palestina, provavelmente o único que contraria o conceito do disco por ter um tema assumidamente Hip-Hop. As conversas por chat com Boikutt deram-me a conhecer mais de perto a real dimensão da situação de apartheid que Israel impõe ao Palestinianos com a total conivência dos governos europeus e americanos. Não se podem enviar discos para Ramallah pois são abertos, destruídos e rabiscados de insultos a vermelho por funcionários da alfândega israelita, que no entanto os fazem chegar ao seu destinatário, talvez acompanhados de um certo prazer masoquista. As cartas são abertas e censuradas com marcadores usando exactamente os mesmos procedimentos de uma prisão de alta segurança. Boikutt deu-me a conhecer outras bandas e projectos de música electrónica de dança em Ramallah, Betlehem e outras cidades palestinianas, quando na realidade jamais ouviria falar delas se não fosse através dele, embora este panorama esteja a mudar com o MySpace. É nestas situações de comunicação directa com alguém do outro lado do muro que me apercebo quão errada e manipulada é a imagem do outro que os média ocidentais fazem passar. Neste sentido, a música que Boikutt faz é absolutamente imprescindível e transcende géneros e estilos porque é uma linguagem do fundo do coração que, na sua despojada honestidade, denuncia a barbárie, hipocrisia, falta de valores e desrespeito pelos direitos humanos praticados por Israel.

Que outros nomes foram esses que Boikutt lhe deu a conhecer? Sente que as adversidades do meio podem, de alguma forma, estimular esses músicos palestinianos?

Ele falou-me de uma quantidade de grupos, não me lembro dos nomes, mas não acredito que adversidades como as que os palestinianos atravessam possam servir de estímulo para o que quer que seja de criativo. O único estímulo que devem ter é o de combater com tudo aquilo que lhes vem à mão, e muito legitimamente, os agressores israelitas que os espezinham de forma tão execrável.

© Crónicas da Terra

Até que ponto acha que o Periférico oferece uma amostra do seu espectro sonoro ao incluir três composições que o registam em igual número de âmbitos diferentes?

Apenas um tema do álbum é unicamente meu em termos de composição, “Huyra e Coma”. O tema “Mensagem a Luanda” é um tema a dois com o compositor Dembo de uma aldeia remota do interior de Angola, e “Con Licensia” é um tema colectivo do projecto Odantalan que produzi em Luanda em 2002 com músicos do Brasil, Angola, Colômbia e Cuba. São temas que se enquadram em Periférico pela natureza experimental dos projectos em que foram produzidos e que abordaram aspectos e elementos da cultura angolana, e no caso particular de Odantalan, as continuidades de um sistema de escrita gráfica proveniente do norte de Angola no outro lado do Atlântico, nas Caraíbas e América do Sul. Não penso que Periférico ofereça uma amostragem completa do espectro sonoro do meu trabalho, mas também não é importante, nem era minha intenção usar este projecto para tal.

Presumo que fosse enorme a admiração da parte de Richard D. James aquando do lançamento de Pangeia Instrumentos na Rephlex. Esse sentimento é, de alguma forma, recíproco? Existem características na música de Aphex Twin que o impressionam particularmente?

Confesso que apesar de conhecer o nome, nessa altura pouco conhecia da música que fazia. Não estava muito virado para esse lado, embora me impressionem o seu ecletismo e poder de experimentação. Aphex Twin marcou toda uma geração de músicos em Inglaterra e no mundo inteiro e é um desses músicos que conseguem estabelecer pontes entre o experimentalismo mais puro e duro e a música de dança electrónica. Sabia que ele tinha feito uma colaboração com o Philip Glass e que esta tinha começado por um simples bilhete rabiscado. No bilhete enviado a Glass, Richard convidava-o a tocar piano enquanto ele se divertiria a rodar uns botões dos seus sintetizadores. Desta brincadeira nasceu o tema "Icct Hedral". Achei curioso que ele se tivesse interessado pela música de Pangeia Instrumentos que eu tinha editado em 99 e que a Rephlex reeditou em 2003. O Richard ainda manifestou a intenção de fazer uma remistura e chegamos a encontrar-nos na minha primeira passagem pelo Atlantic Waves em 2002. É uma pessoa extremamente tímida e simples, o que não ajudou muito a concretizar a tal remistura, mas ele foi dos primeiros a saltar para o palco no fim do concerto para ver e tocar nos instrumentos que apresentei.

Como disco que fez óptimo aproveitamento das tecnologias de gravação do seu tempo e atendendo a que essas não param de progredir, parece-lhe que Pangeia Instrumentos podia ser consideravelmente melhorado ou apurado com o equipamento disponível actualmente?

Não há muitas diferenças em termos de equipamentos pois Pangeia Instrumentos foi editado em ProTools e gravado num G4 com microfones AKG razoáveis. Às vezes ainda vou a essa versão de ProTools, no meu G4 reformado e que descansa estrategicamente debaixo da minha secretária. De momento, uso a última versão do ProTools num MacBook Pro e estou a trabalhar com um software de modelação 3D, o Rhino, e um renderizador super bom, o Vray, na construção de quatro instrumentos totalmente novos para o National Museums of Scotland em Edimburgo. Este software mudou toda a minha forma de trabalhar, transformando a minha oficina de construção numa oficina virtual, o que me permitiu libertar espaço e tempo para o estúdio e libertar-me a mim desse trabalho de construção manual. Nunca tive a intenção de ser um lutiê ou um construtor de instrumentos e, por isso, é um alívio não ter de executar as tarefas árduas da construção como furar, serrar, lixar. Actualmente todas os componentes dos instrumentos que construo são mandados fazer em máquinas de controle numérico, frezadores CNC, corte a laser, impressão 3D a laser, etc.. Entretanto os instrumentos que usei em Pangeia Instrumentos têm vindo a melhorar e existem mesmo alguns novos instrumentos que tomaram um certo protagonismo, como é o caso da Toha, uma harpa de 42 cordas. O álbum Pangeia Instrumentos aparece numa das várias transições que fiz ao longo dos anos e é um trabalho que penso que atingirá a sua maturidade com o álbum Aisa Tanaf que está em preparação. Aisa Tanaf é a continuação de uma narrativa que iniciei com o álbum Oceanites Erraticus,que embora tenha sido editado em 2001, é quase totalmente dedicado ao trabalho para guitarra de doze cordas com temas que vinham desde 95 e alguns temas para os Instrumentos Pangeia. Oceanites Erraticus encerra um ciclo, enquanto que Pangeia Instrumentos abre um novo ciclo e portanto carrega consigo as imaturidades de uma primeira iniciativa.

Em termos de “Pangeia Instrumentos”, que última criação destacaria como aquela que melhor proveito ofereceu nos últimos 2/3 anos de actuações ao vivo? Existe algum que se encontre actualmente em desenvolvimento na “oficina”?

O Acrux é sem dúvida o instrumento que mais se destaca, embora a Toha e o Dino, um instrumento de fricção de uma corda só, e o uso do computador e de processadores de efeito em palco tenham vindo a alterar por completo a actuação ao vivo. O último espectáculo que montei, SOL(t)O, e que comecei a mostrar o ano passado no Porto, Barreiro e em Cape Town é já mais concentrado na harpa de 42 cordas e na pesquisa da palete de sons dos “Pangeia Instrumentos” através do Ableton Live. SOL(t)O está programado para a Expo Zaragosa em Agosto 2008, onde espero culminar esse trabalho de entrosamento entre instrumentos acústicos e ferramentas electrónicas. Espero poder apresentar SOL(t)O em Zaragosa com duas versões novas da Toha e do Acrux.

© Crónicas da Terra

Que factores levaram a que Naloga permanecesse um pouco como um disco perdido no tempo (se não estou em engano)? Chegou em alguma altura a ser lançado? Qual é o estatuto actual de Naloga?

A hibernação de Naloga resulta de um acidente de percurso que fez com que nunca tivesse sido lançado embora tenha chegado à fase final de produção. É aliás a metamorfose de um material anterior que estava completo, mas teve dificuldades de parto e nunca nasceu. Naloga está destinado a nascer quando for a altura certa e reporta sim a um tempo e a um espaço perdido. É ao mesmo tempo um trabalho histórico por se debruçar sobre um período da história contemporânea de Angola e uma viagem através de percursos de conflito na África Austral. Temas como “Huyra”, “Coma” e “Mensagem a Luanda”, que aparecem em Periférico, fazem parte do alinhamento de Naloga. Outros temas que resultaram de viagens a Cuba e à África do Sul e que têm a participação de músicos destes países também estarão incluídos no álbum.

Que futuro próximo se encontra reservado ao Colectivo Odantalan?

Odantalan é um programa de intercâmbio artístico e de criação contemporânea baseado nas heranças e tradições Afro-Atlânticas nas áreas da música, expressão corporal, performance de combate, fotografia, história de arte e design gráfico. Em Odantalan o desenvolvimento de processos criativos contemporâneos baseados numa herança cultural africana comum tem uma característica dominante que é cultural, histórica e linguística. Tem objectivos concretos tais como a reflexão e estudo das tradições de escrita da África Central e as suas continuidades no Caribe e na América do Sul, colocando estes sistemas de conhecimento no centro de um novo trabalho criativo. Estas antigas tradições de escrita, conhecidas em Angola como Bidimbo e anteriormente estudadas por antropólogos e historiadores como José Redinha, Carlos Ervedosa, Henrique Abranches, Robert Farris Thompson, Bunseki Fu Kiau, Barbaro Martinez-Ruiz, entre outros, têm continuidades no Caribe e na América do Sul nas tradições do Ponto Riscado (Brasil), Firmas (Cuba), Vêvê (Haiti), Foundation Drawing (Trinidad) com mais ou menos fusões com outros sistemas da África Ocidental.

Odantalan foi um projecto planeado com propósito itinerante e o colectivo criado em 2001, aquando das minhas pesquisas em Cuba, Brasil e Colômbia à procura de música, músicos e demais participantes, teve o seu apogeu em Luanda numa residência de criação artística de duas semanas. De 2002 a 2005, houve fortes iniciativas de forma a realizar o projecto em Salvador e em Bogotá com mais viagens exploratórias, mas foi praticamente impossível voltar a conseguir os apoios financeiros que permitiram em 2002 trazer músicos, antropólogos, lideres religiosos de Cuba, Colômbia, Brasil e Estados Unidos para Angola, organizar uma residência artística, uma conferência, um concerto e workshops em Luanda e editar um livro e um CD. Como não quis baixar a fasquia da qualidade do projecto, decidi que era preferível concentrar energias noutros projectos mais leves do ponto de vista orçamental como Tsikaya, por exemplo, e deixar Odantalan por ali.

Já agora, em que ponto se encontra o projecto Tsikaya actualmente?

Tsikaya é um projecto de gravação e promoção da música de compositores angolanos que vivem no meio rural, muitas vezes em regiões remotas e de difícil acesso, sem linhas de comunicação com o exterior. Foi um projecto que iniciei em Angola em 1997, mas neste momento é uma parceria com organizações locais e conta com um arquivo de músicas e músicos que gravei ao longo dos anos. Em breve vai ter uma base de dados e um site. O projecto tem tido várias fases, mas estruturou-se melhor a partir de 2003, depois do fim da guerra, ano em que recomecei as gravações na província de Benguela numa parceria entre a minha associação PangeiArt e a associação cultural de Benguela, os Bismas. Durante dois anos criou-se uma rede de contactos que vai da cidade às aldeias e que nos permitiu não só gravar uma série de músicos interessantíssimos, mas também algumas actividades que permitem divulgar a música que fazem e dar a conhecer os instrumentos que tocam. Em 2007, consegui apoios da Prince Claus Fund da Holanda para iniciar o projecto na província da Huíla para onde deverei viajar em Maio próximo e iniciar o trabalho de campo com uma organização local, a ADRA. No final de 2008 deveremos ter um site e lançar um CD em Angola, que, na realidade, será o segundo a ser editado.

Em que situação ficou a colaboração com o Kronos Quartet? Pode adiantar mais detalhes acerca dessa?

A colaboração com o Kronos está em pé e tem vindo a desenvolver-se com alguns encontros com o David Harrington, o último deles em Grenoble, em Novembro de 2007. Trata-se de um projecto a longo prazo, pois os Kronos param pouco para poder trabalhar aquela quantidade impressionante de novos projectos. Um exemplo é o novo álbum com uma obra escrita por encomenda por Henryk Górecki e que só ao fim de dez anos foi montada e gravada. A ideia desta colaboração é a de escrever uma peça em que os Kronos Quartet tocam alguns dos meus instrumentos que serão adaptados especificamente a eles, além de uma introdução com instrumentos feitos por crianças de Angola e que irei trazer em Maio próximo (2008). Aliás, espero voltar a encontrar-me com o David quando eles cá vierem a 20 de Maio. Por outro lado, a peça exige um orçamento para poder fabricar os instrumentos, as respectivas caixas, pagar o seu transporte e financiar uma residência minha no local de ensaio deles em São Francisco para podermos montá-la. Neste momento é quase certo que o financiamento para a obra tenha sido encontrado a 100% pelo que as coisas parecem estar no bom caminho. A peça já se encontra parcialmente escrita e já a mostrei ao David, e penso que poderá estar terminada e entregue em 2009.

Como observa a recente mediatização à larga escala do “kuduro” e do fenómeno que esse surtiu em Portugal? Agrada-lhe pensar que isso pode levar alguém a aprofundar-se no conhecimento do género e eventualmente chegar às suas raízes?

O kuduro é uma expressão do optimismo, energia e alegria com que uma nova geração de angolanos olha para o futuro. Se pensarmos que a geração do kuduro já nasceu depois da independência, e para quem o colonialismo é História, o mais importante é que ele inspire um renovado interesse na cultura angolana. Por outro lado vejo o kuduro como a manifestação da estética de uma poderosa cultura que ao longo dos últimos três a quatro séculos tem tido um profundo impacto na cultura ocidental com o aparecimento de géneros como o Jazz, Blues, Tango, Samba, Capoeira, Cumbia, Son, Hip Hop, etc. e em performances públicas como o Carnaval. O kuduro fornece-nos um exemplo de uma noção de estilo e valor musical que, por sua vez, nos dá muitas lições sobre transmissão e resistência cultural.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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