ENTREVISTAS
Ethan Rose
Patinagem paisagística
· 14 Out 2009 · 14:40 ·
A resenha de Oaks, proposta em baixo, revelava o essencial sobre Ethan Rose e o caminho até ao álbum que compôs fazendo magia com a matéria obtida num órgão Wurlitzer, que, por sua vez, sintetizava os sons de quase meia centena de instrumentos (entre os quais o xilofone, a marimba e o trompete). Movido por um sentido nostálgico muito pessoal, presente em muitas das texturas imaculadas, Oaks não tem parado de crescer como revelação ambient que sugere o deslize e prazer habitualmente obtidos a um par de patins. Ainda antes de Oaks, o realizador Gus Van Sant havia convidado Ethan Rose para, com a sua “Song One”, manter a levitação das tábuas de skate num dos momentos mais marcantes do filme Paranoid Park. O que era esplêndido nessa tal cena volta a sê-lo em “Fortune”, o tema de Oaks que mais aponta para um Brian Eno sobre pequenas rodas. O Bodyspace estabeleceu contacto com Portland (um dos tópicos da conversa) para escutar Ethan Rose em discurso directo.
Que parte do material, gravado a partir do órgão Wurlitzer, acabou por surgir no disco, de uma forma ou de outra? Todos os instrumentos e efeitos de som listados foram incluído no Oaks?

É difícil dizer exactamente que parte do material gravado acabou no disco. É frequente alguma desarrumação no meu processo e procuro não me deixar prender pela organização de ficheiros. Trabalho com os materiais até estar satisfeito com o resultado, e depois adiciono mais materiais.

Foste capaz de conjugar o desenvolvimento de Oaks com outras actividades ou o disco absorveu-te toda a atenção?

O Oaks foi a minha principal preocupação durante o período em que o gravei. É costume desenvolver vários projectos em simultâneo, mas tento apontar a maior parte da concentração no sentido de uma só coisa. Mesmo assim, a gestão de várias iniciativas ao mesmo tempo faz com que tudo seja mais excitante.

O facto do Oaks ter sido também lançado pela Headz deixa-me curioso em relação às reacções obtidas no Japão. Foi-te solicitada a habitual faixa extra como exclusivo para a edição japonesa?

A versão japonesa inclui de facto uma faixa extra (“With Hands”), e acho que o álbum foi bem recebido por lá. Irei viajar até ao Japão em Outubro para uma série de actuações e promover um pouco mais o disco.

Escutei a “What Hands” e parece-me um final alternativo que deixa no ar a ideia de que aquela era a hora certa para o órgão Wurlitzer ir dormir. Ocorreu-te a hipótese de ser incluída na versão da Baskaru?

Eu ainda penso na “Bottom” como o final do álbum. Essa faixa permite que o álbum desapareça lentamente e gosto de como proporciona uma conclusão. Eu sabia que a Headz queria uma faixa extra e optei pela “What Hands” para colar ao final da versão original. Acho que a observo como um final alternativo para o Oaks, mas não duvido de que altera o tom da despedida.

Surpreende-me muitas vezes a sensação de conhecer um pouco de Portland através da tua música, assim como a de Elliott Smith, Eluvium ou Adam Gnade. Acreditas que, quando comparada com as outras cidades, Portland tem uma maneira especial de se infiltrar na música?

Portland é uma grande cidade para a música. Existem muitos músicos, artistas, bandas e uma enorme quantidade de pessoas criativas. Isso significa que, apesar de ser pequena, é uma cidade repleta de actividade cultural. Existem muitos lugares impecáveis para tocar e é enorme o apoio por parte de toda a gente.


O Elliott Smith chegou a ser especifico na referência que fazias às ruas de Portland. Em relação ao Oaks, eras capaz de me dizer de que maneira refere certas partes de Portland?

Bem… Sim, existem determinadas coisas de Portland que serviram de inspiração para os títulos de alguns temas. A maioria dos títulos está directamente relacionada com o ringue de patinagem onde o órgão se encontra. “Fortune”, por exemplo, recupera o nome de Keith Fortune, a pessoa que toca e cuida do órgão no ringue. O título “Floor Released” refere-se ao chão flutuante do ringue. O ringue encontra-se localizado junto a um rio que transborda ocasionalmente. O chão de carvalho está colocado de maneira a flutuar quando isso acontece, de modo a que velha madeira não seja danificada pelas águas.

Como surgiu o convite para que a tua música fosse usada no Paranoid Park? Aprecias o modo como Gus Van Sant combina música com situações diferentes? Eu ainda não consegui ultrapassar a intensidade daquela cena no chuveiro…

Obrigou-me a alguma humildade o facto de Gus Van Sant ter decidido usar a minha música no seu filme. Basicamente, ele contactou-me e perguntou-me se eu estaria interessado em ceder alguma da minha música. Sou um fã de longa data e aprecio muito o que faz como cineasta.

Tens algum filme favorito de Gus Van Sant?

É difícil nomear um filme favorito de Gus Van Sant, porque muitos deles são fantásticos. Posso dizer que o My Own Private Idaho é o que tem mais significado para mim. Vi-o nos meus primeiros anos de juventude e não se parecia com nada do que eu já tinha visto. Expandiu realmente a minha noção de cinema.

A felicidade da combinação, que liga a tua “Song One” ao skate, recorda-me de como é belo o final de Traffic, com os miúdos a jogar basebol ao som da “An Ending (Ascent)” de Brian Eno. Acreditas que o aspecto harmonioso de alguns desportos pede música?

Eu acredito que são imensas as possibilidades da música na forma como se enquadra no cinema. É sempre interessante observar como combinações invulgares oferecem expressões imprevisíveis.

Tenho ideia de que a “Song One” ganhou aos poucos o estatuto de um pequeno êxito de internet. Achas que plataformas como o You Tube ajudam a espalhar aquelas músicas que os fãs adoram combinar com diferentes imagens e vídeos?

Absolutamente. Parece-me que muitas pessoas aderiram a essa música a partir da banda-sonora do filme e é interessante reparar nas reutilizações expostas no You Tube.


Tens desenvolvido esforços no sentido de aproximar a imagem e a tua música? Sei que aprecias ambos os meios.

Trabalho com realizadores e essa é uma das formas de casar som e imagem. Terminei recentemente uma banda-sonora para o filme Nothing Personal, que irá estrear brevemente em Locarno, na Suíça. Gosto deste tipo de trabalho porque apresenta novos desafios e outras interacções colaborativas. Interessa-me também fazer instalações sonoras e trabalhar com componentes audiovisuais em galerias.

Depois destes primeiros discos por conta própria, sentes-te mais confortável com a hipótese de tentar uma colaboração brevemente?

Sim. Estou agora envolvido numa colaboração com a cantora Laura Gibson. Os detalhes serão divulgados entretanto.

Essa colaboração com Laura Gibson representa um trabalho extensivo da sua voz como instrumento?

De certa maneira sim. Nas gravações que temos feito, trato a sua voz como tratava as caixinhas de música, os pianos e outros instrumentos que já utilizei. Através da gravação das suas improvisações e da edição posterior, chegámos a uma colaboração que reaviva o passado criativo de ambos. A Laura aventurou-se em explorações inéditas da sua voz e eu agarrei a oportunidade de trabalhar com palavras, algo que nunca tinha feito.

Fala-me dos teus restantes projectos actuais.

Além desse disco com a Laura, estou também a preparar várias instalações sonoras. Uma dessas em colaboração com Andy Paiko, um artista que trabalha vidro. Estamos a criar uma série de vasilhas de vidro que rodam à medida que uma armadura as esfrega como um dedo num copo de vinho. Tenho também trabalhado em alguns vídeos e novas músicas.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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