ENTREVISTAS
Jacaszek
Um lento despertar
· 25 Out 2010 · 22:01 ·
Começou a fazer música mais tarde do que muita gente começa a fazer planos sérios para a sua vida, mas chegou mesmo a tempo de apanhar o comboio da música com substância, pensada e com intenção. Jacaszek é polaco e está felizmente perdido entre a música clássica e a electrónica, a namorar com ambas e a mostrar-nos o resultado desse duelo difícil de uma batalha quase impossível. Com Pentral, editado em 2009, visitou igrejas para registar para a posteridade o que aí encontrou e quis transformar. Jacaszek não esconde o prazer em editar discos, nem uma data de outras coisas com as quais foi confrontado de forma amigável numa entrevista que antecipa o concerto que dará com um ensemble de músicos escolhidos a dedo e com as imagens de p.ma no Mosteiro de São Bento da Vitória, no Porto, no dia 27 de Outubro. Um lento despertar, também porque a sua música é assim: ora plácida, ora selvagem, mas sempre um constante espelho de alguém que está numa busca interminável.
Indo directamente ao assunto, sem mais demoras, quando e como começaste a fazer música? Como é que começaste o teu percurso na música?

Comecei a fazer música quando terminei a licenciatura na universidade. Trabalho no restauro de arte. E o meu primeiro disco foi lançado quando o meu primeiro filho nasceu. Provavelmente não é uma carreira musical muito típica. [risos]

Foi fácil para ti prosseguir esse caminho e chegar até ao local onde estás hoje, musicalmente falando?

Estava apenas a fazer o que eu gosto, mesmo que isso significasse trabalhar pela noite fora muitas das vezes.

Há algum episódio particular nesse trajecto até aos dias de hoje que te tenha feito acreditar particularmente naquilo que estavas a fazer? Tens alguma motivação especial?

A minha motivação básica vem de dentro de mim, por isso acho que aconteça o que acontecer eu estarei sempre a trabalhar na música. Lançar álbuns é uma espécie de prémio, um prémio que ajuda quando estás exausto.

Li e sei que tens um plano muito ambicioso para a tua música. O que é que nos podes contar acerca disso?

Bem, eu quero fazer a melhor música na história da humanidade por isso é bastante ambicioso, sim. [risos] Acho que isto não é arrogância ou altivez; é pura e simplesmente colocar a barra lá em cima. Não tenho a certeza se alguma vez conseguirei saltar por cima dessa barra.


No teu trabalho, preferes sempre músicos propriamente ditos, instrumentos reais, a samples e field recordings? É uma espécie de missão ou convicção?

Não, nada disso. Estou num momento em que preciso de elementos “vivos”, uma vez que preenchem os backgrounds electrónicos que construo. Mas isto pode mudar a qualquer momento. Posso voltar às electrónicas puras ou talvez até começar a trabalhar apenas com músicos, sem nenhuma ajuda digital – como uma espécie de director de teatro com actores…

Ao ouvir o teu trabalho parece-me que por vezes gostas de esconder a beleza na tua música e fazer disso um desafio para as pessoas que te ouvem. Isso é também um desafio para ti, para o teu trabalho?

Bem, isso é verdade, eu tento atingir aquele momento, quando estou a compor música, em que o encanto e o charme não são tão óbvios mas podes de certa forma percepcioná-los – e não é fácil de facto. O problema é até que ponto, com que profundidade é que esta beleza deve ser escondida. Tu sabes que ela está ali, mas será que os outros vão sentir a mesma coisa?

Pentral, editado em 2009, é o teu ultimo disco. Descreveste o álbum como uma espécie de tentativa de descrever o interior de uma igreja gótica através de meios sonoros. Como é que te preparaste para fazer esse disco?

Andei a fazer recolha de fieldrecordings em igrejas, a apanhar órgãos, vozes, sinos e barulhos acidentais. Em estúdio tentei dar um arranjo à música a partir desses sons que apanhei. Eu tinha como intenção transformar o interior da igreja numa instrumento enorme e ressonante.

Ouvi o teu podcast na Resident Advisor no outro dia e reparei que por lá aparecia a belíssima 3ª sinfonia de Gorecki. O trabalho dele é uma grande influência para ti?

Sinceramente não faço ideia. Tudo o que posso dizer é que é uma peça musical incrível e profundamente comovedora.

Como é que as pessoas ainda sentem e vivem a música clássica ou erudita no teu país? Tens noção disso? Vais muitas vezes a concertos?

Bem, não é fácil responder a isso. Da minha observação concluo que o publico e os músicos se dividem em círculos académicos não-académicos. Não existem, ou existem muito poucos, eventos, festivais ou iniciativas que tenham como objectivo cruzar essas fronteiras. Mas não é um problema que seja exclusivo da Polónia creio eu.

Como é que vês as coisas na Polónia no que toca ao confronto da tradição com a modernidade? Como é que achas que o teu país vê o teu trabalho, a tua música?

Eu acho que a polónia não difere muito de outras regiões. Há muitas pessoas que apreciam as experiências e também outras que são altamente conservadoras. Os compositores polacos modernos, como Gorecki, Mykietyn ou Szymanski mostraram-nos que a tradição e a modernidade não são sempre pólos opostos.


Em relação aos teus contemporâneos, compositores sobretudo, sentes alguma ligação especial com algum deles?

Bem, eu adoro todos os artistas contemporâneos que passam clandestinamente alguns elementos românticos na arte que fazem – alguns rastos de passado, Deus, morte, paraíso. Os três compositores que mencionei há pouco são alguns desses artistas. Podia também lembrar o Arvo Part, Valentin Silvestrov ou o Gavin Bryars.

O que é que nos podes contar acerca deste projecto que te traz a Portugal para trabalhar com o Pedro Maia, a ser apresentado no Mosteiro de São Bento da Vitória?

Relaciona-se com igrejas, a sua história e património, coma relação entre o passado e os dias presentes. O Pedro convidou-me a fazer música em conjunto com as projecções de vídeo super 8 dele. Tocarei uma espécie de versão transformada do Pentral, sons de igrejas, em conjunto com músicos portugueses: Magna Ferreira (voz) e o Pedro Silva (flautas de bisel).

Estás especialmente interessado neste tipo de projectos que misturam a música com outro tipo de representações, no tipo de fusão que esse encontro permite? É algo que procures concretizar com regularidade?

Não é propriamente um interesse especial. Não é necessário recorrer a projectos de multimédia para alcançar uma qualidade artística mais elevada. Às vezes a performance musical pura e ascética tem mais impacto do que a mistura espectacular de som, projecções e actividade teatral, por exemplo. Eu recorro às artes multimédia apenas e só quando alguma coisa interessante vai acontecer.

O que é que nos podes contar acerca de projectos para o futuro próximo? Algum desejo ou pedido especial para os tempos que estão para chegar, profissionalmente falando?

Estou a terminar nova música. É de novo uma mistura de instrumentos acústicos com backgrounds electrónicos. Convidei um cravista, um trompetista e clarinetistas para colaborarem neste novo projecto. O meu sonho é estabelecer uma equipa para concertos com estes músicos, e tocar ao vivo de forma sólida.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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