ENTREVISTAS
The Weatherman
Uma viagem rumo ao Alasca
· 13 Out 2005 · 08:00 ·
Do Alasca sabe-se que é ao mesmo tempo o maior estado dos Estados Unidos, e um dos menos povoados. Sabe-se igualmente que foi comprado da Rússia em 9 de Abril de 1867, pelos Estados Unidos, mas a compra do vasto território não foi popular, tendo sido apelidada de “caixa de gelo de Seward”. Sabe-se ainda que a economia do estado assenta na mineração de metais preciosos e zinco, pesca, corte e processamento de madeira, extracção e refino de petróleo e turismo. O que não se sabia ainda é que recentemente, um português atravessou o mesmo Alasca – feito esquimó – para trazer consigo generosas e refrescantes novidades: The Weatherman é uma lufada de ar fresco para a música democraticamente pop feita em Portugal. Cruisin' Alaska, o disco de estreia onde todos os instrumentos são tocados pelo tal homem do tempo, é um punhado de canções que tanto bebem nos anos 60 (oh, os arranjos) como logo a seguir acompanham os tempos mais modernos sem que se note especialmente a mudança de calendário ou mesmo de clima. A conversa com Alexandre Monteiro inclui uma minidissertação sobre a vida peculiar nos grupos corais, o reavivar da sempre actual discussão Beatles vs. Beach Boys e, claro, o Alasca. O single de estreia - a facilmente viciante "People Get Lazy" - já anda por aí, um pouco por todo o lado. E quem diria que um passeio pelo Alasca pudesse ser tão familiar...
Como é que se deu a tua iniciação musical, o teu desenvolvimento como músico? Pelo que sei, tiveste um percurso curioso até aos dias de hoje...

O meu primeiro click para a música deu-se quando tinha cerca de seis anos, altura em que os meus pais me obrigaram a frequentar um coro, daqueles em que todas as crianças se vestem de lacinho e camisa branca, e fazem coreografias sincronizadas. A sensação de cantar aquelas músicas era para mim algo de inexplicável, era como se sentisse que me eram familiares. Entretanto, uns meses depois fui expulso porque não me sabia mexer bem. Achavam que eu não tinha jeito para aquilo e além disso as outras crianças cantavam melhor. Alguns anos depois reconheci essas melodias que tanto me faziam vibrar nuns discos que o meu pai tinha por casa. Acabara de conhecer os Beatles, os Beach Boys, os Abba, entre outros clássicos. Comecei a aprender acordes na guitarra para conseguir tocar e cantar aquelas músicas, mas como me aborrecia facilmente ao aprender músicas dos outros, decidi começar a fazer coisas minhas. Assim teria menos trabalho e encheria o meu ego mais depressa. Desde então formei diversas bandas, aos 15 anos tinha a mania que era punk. Entretanto tive umas aulas de piano com uma professora novinha. Durou pouco, porque na verdade eu queria conhecer professoras de piano novinhas, numa altura em que pensava que a mulher dos meus sonhos só poderia ser pianista… novinha, claro. Aborreci-me ao ponto de numa audição tocar coisas minhas aleatoriamente, só para chatear. De resto tenho tocado em bandas, processo que foi muito importante para a génese deste projecto, já que funcionou como uma base que me impede de cair, no sentido em que não estou a começar do zero com este disco.

Em 1967, na canção “Subterranean Homesick Blues”, Bod Dylan diz “You don't need a weatherman to know which way the wind blows”, numa referência ao grupo radical dos anos 60 intitulado The Weather Underground. Tanto quanto sei, o nome do projecto tem origem nesse tema. O que é que nos podes contar sobre essa história?

Weatherman ou Weather Underground era uma organização revolucionária que existiu nos finais dos anos 60. Foi uma consequência natural do movimento hippie e da contestação que havia na altura. Apoiavam o Charles Manson e o seu líder espiritual era o Timothy Leary (de quem usei uma frase para uma música do disco - "if you only have one wish, make it big”). De entre as inúmeras acções que fizeram, há uma muito interessante: ameaçaram contaminar os rios de São Francisco com LSD. Tenho que escrever uma música sobre isso… acho hilariante a ideia da população de uma cidade sob o efeito de ácidos e de o mundo ser mais feliz em sequência disso! Ah, mas o Dylan tinha razão, claro. Não é preciso haver um homem do tempo para saber para que lado o vento sopra, muito menos o boletim meteorológico… digo isto porque é recorrente as pessoas perguntarem-me por piada como vai estar o tempo amanhã… a propósito, obrigado por não te teres lembrado de me ter lançado essa questão demoníaca [risos].

Cruisin' Alaska é um disco cozinhado em casa, um disco em que todos os instrumentos foram tocados por ti. Como foi o processo de composição dos temas?

Foi muito fluído e natural. Tudo começou com uma demo de cinco músicas, em que o único compromisso que assumi comigo mesmo foi o de fazer justiça à minha personalidade, e para isso teria de recorrer à espontaneidade. Eu teria de me rever no disco. Não faz sentido alguém querer ser outra pessoa e ninguém no seu perfeito juízo inveja ter o talento de um músico genial, porque isso só traz chatices, certo? Muita coisa que se ouve no disco saiu ao primeiro take, e no resultado final isso converge para que me sinta confortável com cada segundo do disco. Foi tudo feito sem esforços sobrenaturais, e o recurso a substâncias lisérgicas foi ordinário. O disco traz um sabor caseiro justamente para não perder essa espontaneidade, algo de genuíno que eu procurei transmitir. Não quero dizer que se fosse para os estúdios Abbey Road o resultado seria mau. Simplesmente tive a sorte de conhecer o produtor certo para este disco, que me assegurou que um grande disco se pode fazer recorrendo a muito talento, poucos recursos e low budget. Todos os instrumentos foram tocados por mim, e foi tudo feito com o mesmo espírito de não pensar muito no que faço. Confesso que nunca pensei ser capaz de tocar todos estes instrumentos já que sempre tive pouca autoconfiança como músico, e mais uma vez o papel do produtor foi determinante ao puxar pelas minhas capacidades que eu pensava que não existiam.

E como é que se processou a produção do disco? Quando é que o disco ficou pronto, quando é que deixaste de ter a vontade de acrescentar mais qualquer coisa e modificar a pintura?

Eu comecei a trabalhar no disco em Fevereiro deste ano e no início de Abril já estava praticamente pronto, com algumas pausas pelo meio. Numa dessas pausas fui para a Serra Nevada com um gravador e de lá trouxe material que usei na última faixa do disco, que funciona como uma colagem. Eu quis estar numa estância de ski para me conseguir imaginar a atravessar um Alaska imaginário. Quis tentar imprimir alguma coisa de vivência pessoal no meio de tanta ficção.
Das 13 canções só duas ou três já as tinha composto anteriormente. O facto de não ter perdido muito tempo com as músicas foi um risco que decidi correr. Acho que comigo as coisas funcionam melhor assim, feitas a correr e não deixando as coisas estagnarem ou andar constantemente a mudar tudo. Eu quando ouço um disco que gosto mesmo vejo lá sempre alguma coisa que cheira a risco. Às vezes quase consigo ouvir os produtores a dizerem: “vá, que se foda, vai em frente”. Foi isso que o Pedro Chamorra, o produtor, fez comigo. Por outro lado, se houvesse alguma ideia que ele achasse que era merdosa, ele dizia… Sinceramente eu não entendo como é possível gastar-se dois anos ou mais a fazer um disco, como acontece muitas vezes. O Sgt Pepper demorou quatro meses a ser feito e na altura os meios eram muito mais rudimentares e menos práticos. Até agora ainda não me apeteceu mudar nada no disco. E espero que daqui a 40 anos ainda sinta o mesmo.



Tendo em conta que todos os instrumentos foram tocados por ti, como pensas trazer Cruisin' Alaska para os palcos? Os temas serão trabalhados e adaptados à realidade dos concertos?

Pode-se dizer que toda a minha vida fiz música com o sonho de a tocar ao vivo e agora que edito o disco essa é a minha maior dor de cabeça [risos]. Transportar este disco para o palco com banda vai ser complicado, é um desafio tremendo. Espero que corra bem.

Ao ouvir Cruisin' Alaska consegue-se ouvir lá no fundo os Beach Boys. É uma influência para ti? És um daqueles que defendem que os Beach Boys são melhores do que os Beatles?

Sim, é uma influência. Os Beach Boys nunca foram melhores que os Beatles, simplesmente um deles tentou medir forças com os fabfour e desse esforço saíram obras-primas. Por outro lado, as vocalizações próprias dos Beach Boys influenciaram as dos Beatles.

Como é que nasceu a hipótese de editar Cruisin' Alaska pela mono¨cromatica?

Em Dezembro de 2004 gravei a tal demo de cinco temas e decidi enviá-la para algumas editoras independentes. Tinham-me dito que normalmente demoram 3 meses a responder, mas a mono” respondeu num espaço de três dias! Num mundo cão como este é, creio que encontrar as pessoas certas para trabalharem contigo é a melhor sorte que se pode ter.

O artwork ficou da responsabilidade de Inês Amaro. Achas que a capa faz justiça ao conteúdo do disco?

Sim, completamente. Mais do que fazer justiça ao conteúdo do disco, faz justiça à minha personalidade. Aliás, emocionei-me quando a vi, especialmente por causa dos pinguins. A capa foi feita a partir de um brainstorm que eu fiz, de modo a ter a ver com a minha pessoa, com o meu imaginário. A ideia de ter pinguins a oferecer-me batido de coco em pleno Alaska, a prestarem-me reverência quando eu estou com cara de morsa, tudo isso remete para uma noite de passagem de ano em casa de uns amigos em que eu ingeri grandes quantidades de batido de coco, que como deves saber é uma bebida alcoólica. Depois disso, imaginei este tipo de situações que se vêem na capa. Por isso, é algo muito pessoal que diz muito acerca da minha pessoa e a Inês conseguiu trazer esses meus sonhos à realidade. Pode–se dizer que por vezes o meu cérebro funciona como uma espécie de mistura entre o Laranja Mecânica e os Monthy Python e só me apetece dizer e fazer disparates… mas também tenho um lado doce e melancólico.

Concordas então que a mistura desses tais lados distintos da tua personalidade se manifesta em Cruisin' Alaska? Canções como por exemplo “People Get Lazy” e “The Meaning Of Soul” pertencem a mundos completamente diferentes...

Sim, eu tento esticar a corda ao máximo. Isso poderá ter a ver com o facto de eu me aborrecer facilmente ao usar uma fórmula só… por isso é natural que se num dia faço uma “People Get Lazy” no dia a seguir persiga uma abordagem diferente como o é “Meaning Of Soul”. Não gosto de me repetir de música para música nem de disco para disco. Tenho medo de estagnar, confesso. Tem que haver sempre rupturas e passos em frente… como nas relações entre as pessoas... trata-se de questionares as coisas constantemente. Acho que a procura de versatilidade é uma boa arma para se conseguir isso.

Depois de finalizares Cruisin' Alaska interrompeste a composição de novas canções ou tens já material novo?

Desde que gravei o disco não compus nada. Isto porque sinto que só o devo fazer quando estiver outra vez motivado para gravar outro disco. É uma questão de me concentrar numa coisa só. Neste momento a expectativa em relação a este disco e aos concertos não me deixa conseguir focar em compor novos temas.
Além disso já tenho muita música escrita, embora seja provável que no próximo disco use 70% de material novo e 30% de material antigo, tal como aconteceu neste disco. Há duas ou 3 canções que já tinha feito anteriormente. Às vezes ainda revisito músicas que fiz quando tinha 14 anos. É provável que ninguém as venha a conhecer, mas este processo ajuda-me a perceber de onde vim e para onde posso ou não ir. Às vezes as músicas são más, mas procuro sentir de novo as sensações que sentia nessa altura… é incrível como quando és adolescente queres que aquilo passe rapidamente para te tornares adulto e depois quando te vês adulto procuras a ingenuidade perdida…
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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