ENTREVISTAS
Loscil
O projecto loscil, espécie de alter-ego de Scott Morgan, em entrevista no Bodyspace, apresenta subtilezas ambientais
· 13 Set 2003 · 08:00 ·
Scott Morgan é um engenheiro de som, vem de Vancouver, BC e assina as suas composições sob a designação “loscil”. O seu espaço de abordagem estética é avulso e repetitivo, de subtilezas ambientais e feixes de luzes e sons, soturnos e crepusculares. Tudo parte de um pulsar anónimo, simples, flutuante. Seguem-se uma batida estilizada e a sobreposição de camadas laminares de texturas distintas. Acontece a hipnose. Suga-se a essência minimal e etérea da música, que afronta com diminutos arremessos de energia. Morgan fez-se notar ao endereçar à Kranky, editora sediada em Chicago, um CD-R com seis temas, intitulado “A New Demonstration of Thermodynamic Tendencies”, que o músico afirma ter sido inspirado pelos princípios da termodinâmica. A etiqueta recuperou esses temas e juntou-lhes outros quatro, editando “Triple Point”, o álbum de estreia de loscil.
Todas as canções têm designações de submarinos. Por quê?

Passei um período de fascínio tanto pela tecnologia dos submergíveis como pela sensação de se estar submerso. A experiência de estar num submarino é intrigante para mim. Nunca estive num debaixo de água, mas deve ser uma experiência compensadora, ainda que temerosa, estar-se rodeado pela pressão daquela quantidade de água. Isto levou-me a pesquisar um pouco sobre submarinos. Em certa medida, foram essa tensão e o medo de se estar debaixo de água num espaço exíguo com muita pressão (tão bem retratados no filme “Das Boot”) que me fizeram debruçar sobre este assunto. Também a história do Kursk. Ler sobre o Kursk teve um enorme impacto sobre mim... o que poderá ter passado pela cabeça daqueles tripulantes. É pavoroso, mas emocionalmente despertou-me a atenção.

O site pitchforkmedia.com afirmou que, com “Submers”, praticaste a arte do útero auditivo. O que pensas disso?

Bom, eu não estou familiarizado com essa prática. (risos) Suponho que já ouvi descrições semelhantes sobre a minha música estar relacionada com o útero. Suponho que seja uma descrição justa. Não irei necessariamente por aí, apesar de me sentir atraído por sons mais escuros que possam estar associados ao útero. Honestamente, não tenho a certeza de me recordar como soa o útero.

De que forma surge a textura como inserção na tua música?

A textura é, de longe, a qualidade mais importante da música para mim. Sinto que é, muitas vezes, negligenciada pelos músicos. A harmonia, a melodia, o ritmo, etc. são, todos eles, elementos da música muito bem documentados, estudados, catalogados, descritos e experimentados. A textura ou a densidade ou o verdadeiro volume (não a altura) são mais difíceis de medir. Alguns grandes compositores do século XX tentaram explorá-los (Ligeti, Xenakis e semelhantes) mas, no geral, é a música electrónica que realmente abraça a textura. Recentemente, concentrei-me nela porque descobri que toca algo emotivo para mim. As texturas mais densas dão a impressão de que estás, de alguma forma, mais imerso no som... pelo menos, penso que é disto que se trata.

Costumas actuar com projecções de vídeo. Como é que a componente visual se faz acompanhar dos sons que crias?

Não sinto que tenha conseguido atingir verdadeiramente o que pretendo das minhas performances visuais. Basicamente, tento certificar-me de que, quando actuo com uma componente visual, há uma relação tangível entre a parte áudio e a visual. Tento mapear certas partes da música por forma a fazê-las corresponder a componentes da imagem, criando camadas visuais que se relacionam com as camadas sonoras. Em última instância, quero criar sistemas verdadeiramente integrados e interactivos, e onde o áudio e as imagens são criados a partir do mesmo processo. Estou longe de conseguir isto na actualidade, mas é algo com que espero gastar algum tempo no futuro.

Alguns dos samples que utilizas nas tuas criações provêm da música clássica. Qual é a importância desse legado?

Bom, tem importância para alguns e para outros não. No que me diz respeito, estudei música contemporânea na escola e fui inspirado por essa linhagem. Aprendi muito ao estudar outros compositores. Também aprendi muito a ouvir Clash. Em última análise, toda a música é parte de uma importante história e um legado, e aquilo sobre que nos debruçamos mais depende do nosso contexto social, o nosso background cultural, o nosso ambiente político, etc. Gosto de samplar música clássica porque se trata de trabalhar com material rico e cheio de harmonia.

A tua proposta lida com profundidade e lugares íntimos na música. Por que é que te consideras um minimalista?

Hmmm. Gosto de música despida. Acredito que a complexidade pela complexidade, na verdade, simboliza apenas uma quebra de atenção. Gosto da essência da música, da resposta emotiva que uma pessoa recebe dos elementos mais simples... mesmo assim, também sou capaz de apreciar complexidade e virtuosismo quando os escuto... Não estou tão certo se me considero um minimalista num sentido restrito. Mas aprecio minimalismo. A prática de fazer música, para mim, tem tudo a ver com as opções de edição. Quanto mais eu consigo extrair de uma composição e mantê-la com uma identidade própria, melhor eu me sinto quanto a isso.

Como é o teu processo criativo quando fazes música para filmes e vídeo-jogos?

Profissional. Na maior parte dos casos, não o faço pelo gozo criativo, mas pelo dinheiro que me dá para pagar a renda!

Um ouvinte ocasional de “Submers” sente-se mergulhar num oceano profundo, mas quando emerge o tom é abrasivo e nocturnal. Como agregas melodia e ritmo?

Para além da textura, o pulsar é algo em que estou muito interessado. Não considero o que estou a fazer incrivelmente versado sobre o ritmo, mas está certamente presente um sentido de movimento e direcção na música de “Submers”.

De que consideras o teu som reminescente?

Noites tardias passadas no porto de Vancouver com os ruídos da maquinaria distante, o subtil bater das ondas contra as rochas e o metal, e uma chuva miúda mas constante. Não sei.

“Submers” sucede a “Triple Point”. O que mudou desde então e o que pensas que irá mudar num futuro próximo em relação a loscil?

Bom, a abordagem mudou consideravelmente. Passei de utilizar sintetizadores e samplers em “Triple Point” para usar software Max/MSP na composição da música de “Submers”. Este disco é um pouco mais sobre encontrar uma profundidade no som, o que não estava presente em “Triple Point”. Penso que no futuro desejo continuar isto, mas também tentar adicionar momentos mais esparsos e de claridade. Estou a trabalhar num novo disco nesta altura, mas a sua direcção ainda não é nada de concreto. Vou esperar que ela venha de encontro a mim.

Hélder Gomes
hefgomes@gmail.com
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