ENTREVISTAS
Coastal
Colisão contra o algodão
· 11 Mar 2006 · 08:00 ·
Halfway to You é um sleeper nas várias acepções anglo-saxónicas aplicadas ao termo. Portentoso e perdurante, acrescente-se. E sleeper porque incorre de cumprir um período mínimo de hibernação até merecer o armazenamento cerebral no abrigo reservado aos discos dignos de um afecto quase religioso, um culto com direito a periodicidade própria. Sleeper porque se enquadra perfeitamente aos momentos de introspecção que antecedem ao descanso de um dia atarefado. Por ser um daqueles segredos que se partilham na parcial sonolência que se desenvolve a partir do momento em que uma relação é conduzida por telepatia. Assim que se estabeleceram os primeiros contactos com a presente entrevista em mente, Jason Gough, guitarrista, vocalista e principal letrista, evidenciou agrado ao saber que a capacidade de sobreviver ao tempo (e escutas) abençoava Halfway to You (lançado em 2004). Falou-nos da vida familiar, do percurso recente da sua banda, das fundações para um terceiro disco e da fronteira espanhola. Partilhou impressões com uma simplicidade que se associa de imediato à música a que serve de mentor. O sonambulismo voluntário não é mais que uma marcha rumo ao algodão.

Que têm feito ultimamente? Fala-me um pouco da vida familiar.

Temos trabalhado no nosso estúdio caseiro, comprado novo equipamento, e preparado as coisas para começar a gravar o terceiro disco. No que diz respeito a família, o Jim, o nosso baterista, e a sua esposa acabaram de ter um filho chamado Elijah. A Luisa [teclista e vocalista dos Coastal] e eu temos duas filhas, Mara, com quatro anos, e a Asher, com dois. O Josh [baixista] tem dois filhos e um outro caminho. Ocupam grande grande parte do nosso tempo e, por vezes, dificultam o processo de escrita de canções, mas são a fonte de muita alegria nas nossas vidas.

Por agora, o que nos podes revelar acerca do próximo disco?

Pouco. Não posso adiantar nada de concreto até me encontrar empenhado nele e ainda não cheguei a essa fase. Estou entusiasmado com o que possa vir a acontecer. Não planeio os álbuns, letras ou temas antecipadamente. Sei que não será um disco de hard rock.

Se afirmativo, de que formas achas que o Halfway to You e o tempo passado com ele influenciou a vosso presente situação e o que possam ter vindo a compor?

Estou muito satisfeito com os resultados obtidos pelo Halfway to You. Muito mais do que com o nosso primeiro álbum. Provavelmente desejaria que o próximo disco se assemelha-se muito mais a ele do que ao primeiro.

Achas que o fluir de amor rumo ao interior, tal como o conhecemos aos Coastal, é de certa forma uma reacção à actual política externa dos Estados Unidos?

De forma alguma. Não tenho grande interesse em política. Não tenciono fazer da nossa uma banda política ou tecer um grandioso juízo acerca de qualquer situação que não envolva os meus pensamentos acerca da intimidade, amor e perda. Agrada-me que as pessoas encontrem abrigo na nossa música num mundo cada vez mais turbulento.

Acreditas que o facto de seres Mormon te influencia no processo de composição?

Acho que sim. Não procuramos converter ninguém com a nossa música e nem sequer existem insinuações religiosas nas nossas letras, mas creio ter algum cuidado com o que digo ou tento dizer nas músicas. Aprecio a ideia de alguém dedicar-se ao pensamento ou reflexão ao escutar a nossa música. Seja na procura de um sentido para a vida, amor ou qualquer outra coisa. Gosto de pensar que os Coastal podem, de alguma forma, facilitar esse pensamento.

Durante o tempo em digressão, chegaste a sentir que as paisagens circundantes influenciavam os vossos concertos de alguma forma? Atendendo a que a música dos Coastal parece tão ciente do ambiente...

Questão interessante, mas receio não saber muito bem como responder. Talvez te estejas a referir a alguns field recordings que usámos, tal como o metro em “Paris Radio” ou o ruído da praia em “Sunbathers”. Gosto de espaços abertos. É aí que encontro a minha paz. Acredito que encontrem lugar na nossa música, mas provavelmente a nível de subconsciente.

Ao longo das digressões com os Lorna, sentes que ambos os sets possam ter sofrido um qualquer tipo de fusão ou continuidade entre eles?


Definitivamente. Os Lorna são uma banda que admiro acima de qualquer outra. Invejo a habilidade musical demonstrada por eles e é um imenso prazer testemunhar essa fusão que referes com o nosso som.

Quão diferente é tocar em Utah [estado natal dos Coastal]? Existe algum tipo de vibração especial por lá?


Não é frequente tocarmos em Utah. As pessoas não são tão receptivas ao nosso som como em outras partes do mundo. Estamos localizados entre dois grandes campus universitários e nem sequer existe rádio universitária. É difícil manter um público local quando não tocamos regularmente por aqui e nem sequer passamos em rádios universitárias por existir.

Como te sentes quando tanta gente confessa gostar de “curtir” ao som dos Coastal? Gostas de reparar em pessoas aos beijos nos concertos?

Brincámos com a ideia de pessoas “curtirem” nos concertos e com coisas que se dizem como make out city [tradução livre: “cidade da curtição”], mas só assim é para nos divertirmos. Nunca cheguei a ver pessoas a “curtirem” realmente num concerto nosso.

Alan Sparhaw dos Low chegou a colaborar com Tyondai Braxton [o músico avant-garde que integra actualmente os Battles]. Gostavas de colaborar com um músico semelhante ao Tyondai?

Gostava de trabalhar com Jimmy LaValle de Album Leaf. Gosto imenso daquela melancolia própria da sua electrónica. Achei brilhante a colaboração dele com os Sigur Rós. Não possuo quaisquer aptidões em música electrónica e, por vezes, acho que existe lugar para ela no som dos Coastal.

Que opinião tens em relação às reedições da Words on Music [a label que serve de casa aos Coastal]?

Não sou grande apreciador de reedições. Perdi algumas das minhas qualidades de coleccionador. Admiro a vontade da label em reavivar música boa e permitir uma redescoberta por parte de quem, de outra forma, não teria essa oportunidade.

Disco favorito dos Cure?

Disintegration.

Algo a partilhar com os fãs Europeus?

Gostávamos mesmo muito de um dia ir a Espanha. Dizem-me sempre que chegámos a ser considerados para integrar o Tanned Tin [certame organizado pela prezada Acuarela], mas ainda não fomos convidados. A Europa é um dos lugares que mais gosto de visitar. A Luisa e eu fomos até aí o ano passado e esperava ter tocado alguns concertos, mas não tivemos muito tempo.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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