Festival Offf Lisbon 2008
Fábrica de Lisboa, Lisboa
8-10 Mai 2008
O acontecimento havia já sido amplamente noticiado: em Julho de 2007, uma parte significante da cidade de Barcelona ficou sem electricidade devido a uma falha grave. Assim permaneceu durante três dias consecutivos. Por acidente ou falta de opção no que respeita a actividade para ocupar o serão, o efeito do “apagão” fez-se sentir no baby boom que, sensivelmente nove meses depois, trouxe até às maternidades da Catalunha um fluxo anormal de novos recém-nascidos. Os contornos escurecidos do fenómeno levaram a que os serviços noticiosos apelidassem esses filhos dos dias tardios de Abril de 2008 como a Geração Off. Talvez cientes de que todos os estímulos proporcionais à criação constituem um bem altamente exportável (e necessário por cá), os organizadores do Festival Offf, que, desde 2001, decorria em Barcelona como grande montra reservada à apresentação de criativos de topo envolvidos em meios pós-digitais (leia-se designers altamente imaginativos com um laptop nas mãos), optaram este ano por mudar o certame para a Fábrica de Lisboa, bem perto da zona do Calvário e de Alcântara. Quando, num mesmo lugar e durante três dias, discursam alguns dos criativos visuais (e não só) mais determinantes na publicidade dos dias de hoje, torna-se fácil adivinhar que entre os presentes esteja uma enorme quantidade de formandos prestes a figurar na geração de designers do amanhã.

© Teresa Ribeiro

Em que plano se aloja então a música - a Meca que serve de norte ao Bodyspace – num festival reservado à cultura pós-digital? Numa programação maioritariamente concebida com o intuito de trazer até ao Offf alguns dos mais cruciais criadores dedicados ao teste e transcendência dos limites da electrónica. Na verdade, sente-se no Offf uma saudável camaradagem entre a música e o design: seja na presença tatuada do guru visual Joshua Davis, que gesticula riffs numa air guitar antes de acrescentar um pouco mais de cor ao mosaico colectivo que ofereceu às pinceladas de todos os presentes, ou na confidência adiantada pelo próprio que, referindo-se à ausência (à partida nada lógica) que o afastou do álbum gráfico dos Melvins Neither Here Nor There, alegava que a sua amizade com Buzz Osbourne se limitava ao tiro ao alvo que praticavam com caçadeiras a cada vez que se encontravam em Los Angeles. Sem se deixar intimidar por isso, o Bodyspace procedeu à medição anotada da temperatura verificada na sala Loopita, espaço reservado à música, e o resultado é apresentado já de seguida.


Dia 8

Federico Monti

A bola começou a rolar no espaço Loopita, que logo revelou a boa saúde gozada actualmente pelo glitch e outros sintomas microscópicos semelhantes na cidade de Barcelona (cidade onde Murcof e Prefuse 73 criaram ultimamente óptimos discos). O representante escolhido dá pelo nome de Federico Monti e foi pelo menos estimulante o “aquecimento” que proporcionou através de um glitch movediço bem preparado em casa, e visualmente acompanhado por uma série de figuras geométricas em movimento e jogos de contraste entre cores.

Sebastien Roux

Sebastien Roux apresentou-se num registo muito próximo do assumido no seu mais recente disco Revers Ouest *. A principal diferença residiu no complemento visual, projectado no ecrã da sala, que deambulou pela nervosa estética urbana de David Fincher (Seven, Panic Room) com a variante dos personagens falarem em francês. O ponto alto foi a perturbante repetição em slow-motion de um chuveiro de água a atingir uma multidão.

Rafael Toral

Rafael Toral © Teresa Ribeiro

A regra pós-digital e o domínio dos laptops, enquanto instrumento preferencial dos intervenientes, conhece uma empolgante quebra quando chegou a altura de Rafael Toral pisar o palco da Loopita para conduzir, em toda a sua glória analógica, um patch de sintetizador modular que tem por interface uma antena de theremin (activada pela mão esquerda do autor de Space) e um ribbon controller (espécie de fita magnética em que os dedos deslizam). À medida que Toral vai encadeando uma extensa sequência de sons borbulhantes e vacilantes, a interacção eminentemente física entre o executante e a máquina dificultam o estabelecimento de um limiar que permita saber exactamente onde começa um e termina o outro.

Byetone

Sobre o seu nome, Olaf Bender (Byetone quando actua a solo) conta com o peso de ser um dos co-fundadores e principais estetas da label Rastermusic, que, ao fundir-se com a ramificação Noton, deu lugar à Raster-Noton, sinónimo de garantia em termos de electrónica minimalista e experiências cerebrais auscultadas. A defesa da reputação que mantém a Raster-Noton é incumbida a um Olaf Bender que, apesar dos 40 anos acumulados, aparenta uma jovialidade em toda a escala aproveitada na simulação sísmica que proporciona aos presentes no epicentro Loopita. Se o fabuloso single “Plastic Star” era já de si avassalador no seu rendimento caseiro, ascendeu ao estatuto de milagre sensorial na sua versão “extended”, intensificada por uma contagem crescente contabilizada pelos números no ecrã a anunciar uma bomba-relógio invertida.
· 08 Mai 2008 · 08:00 ·
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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