Spaceboys / Micatone
Hard Club, Gaia
17 Abr 2004
O Festival Galp Lounge Tour 2004 mudou-se de armas e bagagens para o outro lado do Rio Douro, e por lá vai ficar – no que diz respeito aos concertos no norte do país – até final, mas a tendência parece manter-se. A aposta parece ser feita no que à música de dança e derivados diz respeito, que na sua vertente mais mainstream é, quase sempre, alvo de bastante sucesso em Portugal. À entrada, duas pessoas vestidas a preceito – camisola cor de laranja da Galp – distribuíam guloseimas e luzinhas incandescentes, fazendo com que o Hard Club parecesse a capital nacional do chupa-chupa e do pirilampo gasolineiro.

Na primeira parte do espectáculo actuaram os portugueses Spaceboys, Francisco Rebelo, João Gomes e Tiago Santos (o miolo criativo dos Cool Hipnoise), projecto que lançou no ano passado Sonic Fiction. Os Spaceboys partem do experimentalismo electrónico para depois se desdobrarem em urdiduras dub, funk e rock. A guitarra e o baixo confluem para uma extensão indefinida onde os teclados, as batidas e a manipulação electrónica tornam as coisas ainda mais aliciantes. A guitarra em wah wah e em delay confere às canções uma maior profundidade e favorece a criação de ambientes espaciais. Surgem as primeiras manifestações de dança "pé-esquerdo-para-o-lado-esquerdo-junta-pé-direito-para-o-lado-direito-junta” num Hard Club até à altura adormecido de mais, ainda por cima quando se esperava uma noite, a bem dizer, mexida. Por vezes, os Spaceboys parecem aquilo que seriam os Gang of Four se estes alguma vez tivessem conhecido os Saint Germain, algures em Berlim. O groove é, indubitavelmente, uma máxima a seguir. Quando o vocalista, de fato cinzento e boina a condizer, entrou em palco, a faceta dub dos Spaceboys veio ainda mais à tona. Com a sua voz divertidamente reggae anunciava trazer o “som de Lisboa” e repetia, tendo como base as canções produzidas pelos restantes membros da banda, palavras de ordem, promessas verbais. Pressagiava a tríade “música, sentimento, pessoa”, repetia a palavra “intergalático”. A lição de Rainford Hugh Perry (mais comummente conhecido por Lee "Scratch" Perry) tinha sido bem estudada. As batidas foram-se intensificando cada vez mais e, com elas, também os riffs funk. Algures no final da prestação, apresentariam, inevitavelmente, o hit “Space is the Place”, que ao vivo acentua a sua vertente experimental. O vocalista dançava de um lado para o outro, abanava-se, rodava em volta de si mesmo. Em suma, os Spaceboys cumpriram aquilo que lhes era exigido, e saíram de palco anunciando o prato forte da noite, os Micatone.

Durante o intervalo, passava-se em modo repeat o vídeo publicitário da Galp para o Euro 2004. “Marca mais, corre mais, menos ais, menos ais, menos ais” foi interrompido apenas pelos mais recentes êxitos do r'n'b e hip hop. Enquanto em palco se preparavam as coisas para o início do concerto dos berlinenses Micatone, na plateia corria-se para o bar pela última vez, fumava-se (muito). Quando os cinco Micatone entraram em palco, faltava já pouco mais de oito horas para o início da primeira missa, assiste-se à segunda maior salva de palmas da noite (a maior seria aquando da saída do quinteto). Boris Meinhold controla a parte electrónica e a guitarra; Tim Kroker, irrequieto, na bateria; Paul Kleber segura um contrabaixo que mais parece ter sido desenhado por Salvador Dali, tais eram as formas e características do mesmo; Sebastian Demin completava o quarteto instrumental dos Micatone no sintetizador e no piano Fender Rhodes. Todos, partiriam para uma pequena faixa instrumental que anteciparia a entrada da vocalista. Quando Lisa Bassenge entra em palco, alta, longo vestido preto, cabelos pretos, e sapatos de taco alto, quebra-se o gelo. A sua voz aveludada penetrava na teia de sons criada pela banda, e espalhava sensualidade e voluptuosidade. O contrabaixo, ora solto, ora acelerado, destronava a calma e instaurava ambientes misteriosos e corrosivos. Cadências fumarentas, hesitantes, incertas.

Obviamente, Is you Is, o último disco de originais da banda de Berlim, foi o prato principal, mas também foram servidos aperitivos de Ninesongs, disco de estreia que data de 2001. Os Micatone misturam um lado jazz com elementos club/lounge, provocam incursões mid tempo e down tempo e vivem especialmente da voz de Lisa e do contrabaixo de Paul Kleber. As programações conferem diferentes ritmos, diferentes ambiências aos temas, mas nunca fugindo da toada dançável da maioria das músicas. Quando os Micatone fogem desse mesmo circuito, e nos temas mais contemplativos, a voz de Lisa Bassenge assemelha-se, embora apenas ligeiramente, à voz de Beth Gibbons (tire-se-lhe todo aquele sofrimento e pungência). As palavras de Lisa Bassenge vão ao encontro da sensualidade, do desejo: “Shake it baby, wipe and clean”, “Inside of me, inside of me”. É música de sedução (“You make me dance, you make me bounce”), êxtase, música cosmopolita (“plastic bags and magazines / silly faces”), inteligente, embora por vezes se sinta que apenas se está a ouvir mais do mesmo. O público não manifestava grande entusiasmo e apenas deu grande sinal de vida em alguns - poucos – temas. Ainda assim, os Micatone presentearam o Hard Club com dois encores, de uma música cada um. Os Micatone despedem-se com a habitual vénia e abandonam o palco. Afinal de contas, o processo de sedução e embriagamento carnal tinha acabado e a noite de Gaia tinha chuva para refrear os ânimos.
· 17 Abr 2004 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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